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Um Homem

De dentro pra fora

(Un Varón, COL, FRA, ALE, HOL, 2022)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Fabian Hernández
  • Roteiro: Fabian Hernández
  • Elenco: Dylan Felipe Ramirez
  • Duração: 80 minutos

Existe uma delicada mensagem sendo passada em Um Homem a respeito de gênero e sexualidade. O protagonista dessa produção colombiana exibida na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes desse ano, é um jovem desajustado das ruas de Bogotá, que acabou de voltar ao convívio de todos após um tempo afastado. Independente de sua origem e seu jogo social entre seus pares, a todo momento o roteiro aponta uma questão acerca de seu gênero. Primeiro ele pede que seu cabelo seja cortado como o de um homem, depois ele se mostra constrangido no contato com outras mulheres, por todo o filme seu corpo é comparado com o de uma menina, e o título do filme já deixa claro um apontamento – ainda que ambíguo – acerca deste tópico. O espectador segue tentando encontrar as lacunas onde isso se ramifique para as respostas, e o filme segue sem responder. 

Talvez seja essa mesmo a intenção da estreia em longas de Fabian Hernández, que poderia ser um conto sobre delinquência e tentativa de redenção, como tantas vezes já vimos. O pulo do gato é essa forma abstrata de perseguir alguém através das convenções de gênero, que vão sendo enevoadas a cada nova cena. Em determinado ponto, Carlos acha um batom e brinca de desenhar o espelho com ele, criando uma boca vermelha por cima da sua. É nesse ponto que fica claro que o filme está sim incutindo algum valor analítico a trajetória carente desse jovem que se vê sem esteio emocional para descobrir sua própria identidade. Ao olhar para sua figura no espelho e enxergar um ponto de afirmação que não o define aos olhos dos outros, Carlos vai tentar se reafirmar a cada novo bloco de eventos. 

Um Homem
Cortesia Mostra SP

Há muita segurança nesse trajeto escolhido por Hernández, embora sua experiência em curtas seja diminuta. Um Homem é uma produção de argamassa muito simples, que vai permitindo uma complexidade fora do lugar onde se esperava vir. Não é um título que busca a discussão sobre violência das periferias, ou sobre o abandono materno, ou sobre a desestruturação singular de alguém. Todos esses filmes estão unidos no título, mas os toques relacionados ao sexo, que incluem uma cena que se imaginaria terminar em estupro, dão um ar inusitado a uma produção que não pretende se acanhar diante de novas perspectivas de análise social. Sim, Carlos está perturbado por uma sexualidade ainda a ser descoberta, e a delinquência pode ter abafado uma história de redefinição. 

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Um Homem segue pela sua duração trazendo constantes demonstrações de abrir debates enviesados a respeito das imagens que produz. Não é exatamente o que se vê, mas as camadas do que vê e como elas estão dispostas em cena. Um exemplo é a forma como esse protagonista está inserido em um contexto de masculinidade tóxica e violenta, é cobrado por uma postura parecida, e claramente se recusa a estar nesse lugar de resposta sangrenta ao horror que também o invade. Quando isso enfim acontece, na reta final, é uma forma do personagem gritar que não aguentava mais as múltiplas ausências de sua vida. Até sua zona de conforto o expele, então ele pretende criar uma persona trágica pra si, já que é o que todos esperam dele. 

Um Homem
Cortesia Mostra SP

Outro dado relevante para a compreensão de Um Homem é a forma como se relacionam Carlos e Nicole, sua irmã que trabalha como prostituta. Ambos se repelem mas também se amam, só que nem a repulsa é a mais convencional, muito menos o amor. E a forma como ele se relaciona à profissão da irmã, também nada tem de esperado, quase funcionando como um anti-clímax, mediante seu entorno. Quando o filme observa os homens a vendo como um objeto, Carlos não se submete ao óbvio; sua ligação com a irmã, e a maneira carente com que estabelece essa relação, nunca perpassa o que a mesma faz para viver. Carlos sente falta do amor familiar, necessita do contato que Nicole não tem disponível, e sofre abertamente por isso. Mais uma vez, o filme coloca esse homem em lugar de vulnerabilidade, o oposto do que seu lugar representa socialmente. 

O desfecho de Um Homem segue sua ideia de ressignificar imagens e atitudes. Um personagem tão repleto de inseguranças e incertezas não teria mesmo como ceder a algo tão definitivo quanto o que ele pretende fazer. No lugar da concretude então, Hernández começa a recorrer ao vazio e à dúvida, não apenas no interior do personagem, mas na textura da imagem e no que os planos propõem. Não há clareza do que está se formando no interior daquele pária, então o filme abraça a escuridão também no exterior, indefinindo o que em outra produção seria mais seguro. É um lugar que precisa ser percebido por Carlos, o que ele vê quando olha no espelho?

Um grande momento
Carlos no orelhão

[46ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo]

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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