Crítica | Streaming e VoD

A Garota da Foto

Outro jeito de contar a mesma história

(Girl in the Picture, EUA, 2022)
  • Gênero: Documentário
  • Direção: Skye Borgman
  • Elenco: Dana Mackin, Robert Christopher Smith, Natalie De Vincentiis, Sarah French, Meg Schimelpfenig, Mark Chinnery
  • Duração: 101 minutos

Tem gente que gosta muito de obras que recontam histórias de crimes reais, os documentários literalmente batizados de true crime, seriados ou não, mesmo que tenham eles a forma mais tradicional possível, sempre fazem sucesso. Não à toa, a Discovery tem um canal exclusivo dedicado a eles, o Investigação Discovery, ou Canal ID, como é melhor conhecido, e há muito conteúdo do gênero nas plataformas de streaming. Quem acompanha, desde quando se assistia às propagandas incompletas do ID (quem se lembra da morte com um coco na cabeça ou a echarpe no pescoço de Isadora Duncan?), também tem uma queda por seriados e filmes que falem sobre o tema e já viu, às vezes mais de uma vez, casos de crimes famosos, como a terrível história de Suzanne Marie Sevakis, contada novamente no longa A Garota da Foto, estreia da semana na Netflix.

Tudo começa quando uma jovem é encontrada ainda com vida no acostamento de uma estrada por três caminhoneiros. Ela é identificada por Sharon Marshall, uma dançarina de strip tease de Wiscowin, casada e mãe de um filho, mas não resiste aos ferimentos e morre no hospital. A história que parecia ser de um atropelamento e fuga, porém, se desdobra em uma trama terrível de sequestros e assassinatos tanto no passado quanto no futuro, com vários nomes falsos e laços familiares doentios. Ela, na verdade, havia sido raptada quando criança por seu padastro, Franklin Delano Floyd, o homem que agora dizia ser seu marido e com quem tinha um filho, que seria sequestrado por ele após a sua morte. Durante o período que viveram juntos, muitas violências e agressões e vários crimes foram cometidos por ele.

A Garota da Foto
Netflix

Fora a história surreal que conta, A Garota da Foto não tem absolutamente nada de original e pode muito bem ser considerado um episódio prolongado de qualquer episódio de um seriado televisivo do gênero, com entrevistas de pessoas que conheceram a vítima, policiais e investigadores envolvidos no caso, material de arquivo e reconstituições dos eventos. A trilha musical é a mesma, assim como o modo de filmar, com todas as câmera lentas de apresentação das autoridades que desvendaram o crime, os movimentos de câmera que revelam os parentes e amigos e até mesmo aqueles planos muito característicos que indicam lugares incertos para definir onde e quando algo poderia ter acontecido.

Apoie o Cenas

Porém, ainda assim, não é a forma que conta aqui, mas aquilo que ela traz. Skye Borgman, uma diretora experiente em true crime, pode até falhar na inovação, mas sabe como arranjar as peças para que elas mantenham o espectador na expectativa pela próxima descoberta. Diferente dos episódios de Dace with the Devil e Por Trás do Crime, que focam na descorta do corpo de Cheryl Ann Commesso, ou de A Caixa de Pandora, que começa pelo sequestro do pequeno Michael, A Garota da Foto se inicia com a descoberta da falsa identidade de Sevakis, quando suas amigas e colegas de clube entram em contato com os pais de Sharon Marshall para comunicar o falecimento da filha. A partir daí a realizadora vai desenrolando o novelo da história, recapitulando a vida que aquela mulher levou até ali, unindo pontos enquanto acompanha a busca por sua identidade.

A Garota da Foto
Netflix

É quando os crimes começam a surgir e se revelar, e outros mistérios também. Borgman, inclusive, prefere deixar de fora propositalmente um deles, o do sumiço do pequeno Stevie, irmão caçula de Sevakis, para que isso não se confunda com a trama que se desenrola em torno da busca por Michael. Cheio do já visto, e aqui destaca-se a superexaltação do agente do FBI Joe Fitzpatrick, o documentário também consegue depoimentos especiais, como o da mãe de Sevakis, Sandra Willet, e de seu pai, Cliff. E aqui se estabelece um outro traço muito comum de obras true crime, por mais que o tempo passe e as coisas mudem, o conteúdo ainda é repleto de machismo e misoginia. Obviamente, isso é um traço da sociedade, mas também é o que se escolhe colocar em tela.

Além da tenebrosa história, A Garota da Foto levanta o questionamento do abandono e do descaso, onde duas pessoas tinham o dever de cuidar: Sandra e Cliff. A ele é dado o direito de dizer que era novo demais e não estava preparado para ser pai. Ela também tem o direito de dizer o que sente, seus arrependimentos e contar o que fez à epoca, mas um espaço muito maior é criado para que seja condenada pela crime, por outras mulheres, assim como ela. Ninguém, em nenhum momento, a enxerga como vítima da mesma criatura. No caso de Suzanne Sevakis, de seu sequestro, tortura por anos e assassinato, só existe um monstro envolvido: Franklin Delano Floyd, e sobre isso não existe qualquer dúvida. 

Um grande momento
Descobrindo a identidade

Curte as críticas do Cenas? Apoie o site!

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
Assinar
Notificar
guest

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

0 Comentários
Inline Feedbacks
Ver comentário
Botão Voltar ao topo