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A Divisão

Sem passado, sem presente, sem futuro

(A Divisão, BRA, 2020)

  • Gênero: Ação
  • Direção: Vicente Amorim
  • Roteiro: Gustavo Bragança, José Luiz Magalhães
  • Elenco: Erom Cordeiro, Silvio Guindane, Natalia Lage, Thelmo Fernandes e Marcos Palmeira, Hanna Romanazzi, Vanessa Gerbelli, Dalton Vigh, Osvaldo Mil, Marcello Gonçalves, Bruce Gomlevsky, Paulo Reis, Augusto Madeira, Beatriz Saramago, Rafaela Mandelli, Cinara Leal
  • Duração: 134 minutos
  • Nota:

Um sistema carcomido por todos o lados, corrupto, disfuncional. Rio de Janeiro, cidade maravilhosa, corte caída, distopia presente de milícia, dizimação e troca de favores. Podíamos estar falando dos dias de hoje, mas o que A Divisão faz é voltar ao anos 1990 para encontrar uma cidade afundada numa onda de sequestros. A cartela informa: no ano de 1997, por mês, 11 pessoas são sequestradas.

Idealizado por José Junior, um dos fundadores do Afroreggae, como seriado e filme, A Divisão não foge do caos institucional, de uma balança que nunca consegue se equilibrar entre a violência desmedida e a sanha de se dar bem daquele lugar. Dirigido por Vicente Amorim, o filme encontra uma elegância estética e alguma elaboração de significados, como quando confronta Mendonça e Santiago num espaço onde a luz não consegue chegar. Aliás, a dobradinha Lula Cerri (Sob Pressão) e Gustavo Hadba (Motorrad) na direção de fotografia é muito bem-vinda ao projeto.

A Divisão (2020), de Vicente Amorim

O filme, um tantinho óbvio na trama, assume a ação com competência, não caindo nas armadilhas que os outros títulos do gênero costumam não enxergar pelo caminho. Seguro dos seus limites, ainda que se exceda em algumas câmeras lentas nas apresentações de personagens (influências de uma série com muitos filtros amarelos? Identificamos!), closes injustificados e passagens estranhas, quando precisa da adrenalina, encontra e sabe como mantê-la por um bom tempo. E é isso que conta no final das contas. 

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Eticamente, o que é sempre uma questão, uma vez que os melhores filmes de ação do país são bem questionáveis nesse ponto, A Divisão consegue estabelecer uma aproximação menos unidimensional de seus personagens. Não há um elemento, por mais que vez por outra tome o caminho certo, não tenha a lama até os joelhos, no mínimo. O “herói”, conhecido por Carniceiro, é um justiceiro torturador (“só de bandidos”); a nova inteligência, conhecido como Mineiro, é um policial que sequestra e extorque dinheiro de conhecidos da cidade (mais uma vez “só de bandidos”). Aquele mesmo retrato de uma sociedade que determina quem são os perseguidores e os perseguidos, quem detém o poder e define quem vai ser morto apenas porque nasceu.

A Divisão (2020), de Vicente Amorim

A Divisão Antissequestro resolve o problema pontual, a onda de sequestros que assolou a cidade, mas apenas porque esse foi um crime que chegou a uma camada que se interessava na solução daquele problema, pois os muitos outros não precisam de atenção. Peças se movem no tabuleiro e tudo segue da mesma maneira que sempre seguiu, com novas siglas nos caderninhos de caixa dois. É nojento e o filme capta essa essência, de um jeito desesperançoso, mas não tem muito como ser diferente.

Apoiado em boas sequências de ação, ainda que escorregue aqui e ali e pese a mão e algumas considerações ideológicas A Divisão está um passo à frente de outros do mesmo gênero que fizeram mais barulho por aqui. E o Rio de Janeiro segue aquela coisa inexplicável, continua lindo, mas com o maior número de pessoas mortas pela polícia no primeiro semestre deste ano, com o recorde de 6 governadores ou ex-governadores presos nos últimos 4 anos, e tendo que votar em Eduardo Paes para tirar Marcelo Crivella da prefeitura.

Um grande momento
Mendonça e Santiago na sala

Ver “A Divisão” no Telecine

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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