- Gênero: Drama
- Direção: Joachim Trier
- Roteiro: Joachim Trier, Eskil Vogt
- Elenco: Renate Reinsve, Anders Danielsen Lie, Maria Grazia Di Meo, Herbert Nordrum, Hans Olav Brenner, Helene Bjørneby, Sofia Schandy Bloch
- Duração: 127 minutos
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A primeira regra sobre construção de personagem pontificada em qualquer aula de roteiro é: você precisar saber o que ele ou ela quer. Todo personagem, especialmente principal, tem um objetivo. E A Pior Pessoa do Mundo é mais uma prova de que regras existem para serem quebradas. Porque sua protagonista Julie (Renata Reinsve, Palma de melhor atriz em Cannes) não sabe exatamente o que quer. E talvez nem ao final ela descubra isso totalmente.
Julie é um exemplo clássico da geração de millenials tardios e/ou Z, que sofre com o excesso de escolhas à sua disposição. Ela pode estar na melhor festa, com as melhores companhias e, ao ver uma foto qualquer no Instagram, sente a angústia de que alguém está mais feliz que ela, melhor que ela, divertindo-se mais. Pode estar em um relacionamento estável, com uma ótima pessoa, mas… o Tinder parece tão legal, não?
Nossos avós foram criados para casar-se com alguém e passar o resto da vida junto daquela pessoa, não importa o que aconteça. Nós fomos criados para “sermos felizes”. Com essa vaga e intangível noção em mente, a protagonista parece estar sempre mudando de ideia, sempre olhando para algo que não está totalmente ali, sem saber direito o que quer… o que pode fazer dela uma personagem pouco tradicional, nem sempre fácil de simpatizar – mas ela nunca desiste de seguir buscando. E é isso que a torna tão autêntica e cativante.
Numa guinada bastante inesperada de estilo, o cineasta dinamarquês Joachim Trier (Oslo, 31 de Agosto, Thelma, Mais Forte que Bombas) estrutura essa odisseia pequeno-burguesa, bastante branca e privilegiada, de Julie em “12 capítulos, um prólogo e um epílogo”, que seguem a protagonista após ela abandonar algumas faculdades, tornar-se uma aspirante à fotógrafa e ir morar com o namorado, o cartunista Aksel (Anders Danielsen Lie), enquanto trabalha em uma livraria. Ele é mais velho e mais bem-sucedido que ela, quer ter filhos, Julie não. E ao invadir uma festa alheia impulsivamente, a jovem personagem vive uma comédia romântica de uma noite com o desconhecido Eivind (Herbert Nordrum) – e passa a questionar sua estabilidade monótona e conformada com Aksel.
Apesar da sinopse, A Pior Pessoa do Mundo é menos uma comédia romântica do que uma comédia antirromântica. No sentido de que os rapazes servem para ajudar Julie a descobrir o que ela não quer, mas eles nunca são a resposta que ela busca. Porque o que a protagonista precisa é desvendar, solucionar, quem ela é – e isso ninguém responde pela gente.
Com Aksel e Eivind, Julie está sempre se definindo em relação a seu parceiro. E Trier sugere isso visualmente de maneira muito sutil: perceba como o apartamento de Aksel é grande, agradável e elegante, mas tem a cara dele, e Julie é sempre enquadrada meio à margem, de lado, nunca no centro do quadro, uma “coadjuvante numa história alheia”, como ela mesmo define. Já quando vai morar com Eivind, o apartamento é menor, um pouco mais a cara dos dois e aconchegante – até o momento em que a protagonista começa a sentir que ele pode ser pequeno demais para suas aspirações.
Ainda assim, os dois nunca são meras “ferramentas” na jornada de Julie. O roteiro é extremamente generoso com seus três personagens, que machucam e são machucados em igual medida – sendo irresponsáveis, afetuosos e imperfeitos de maneiras diferentes. Aksel é paternalista e condescendente, mas é dele talvez o sentimento mais genuíno e sólido do filme; Eivind é doce, amável e simples, mas até demais; e Julie… bem, Julie pode ser a pior pessoa do mundo, cruel, egocêntrica, mal-resolvida – mas só porque tem que “ser feliz” (foi o que a Xuxa mandou quando éramos crianças). Não por acaso, é só mais próximo ao final, quando a protagonista permite que seu mundo deixe de girar em torno dela, e passa a se preocupar mais com outra pessoa, e um pouco menos consigo mesma, que ela começa a entender um bocado melhor quem realmente quer ser.
É essa riqueza quase literária do roteiro, reforçada pela esparsa narração em off e pela divisão em capítulos, somada às excelentes atuações e a uma direção que sabe brincar com as afetações do gênero, mas sem jamais recorrer a respostas ou soluções fáceis, que tornam o longa de Trier tão satisfatório. Ao permitir a uma personagem feminina as mesmas incertezas, idiossincrasias e imperfeições historicamente reservadas aos Woody Allens da vida (mostrando que assim como Alanis e Nina Persson as mulheres no cinema também “live and learn”), o cineasta prova que ainda é possível criar obras interessantes e divertidas sobre white people problems e, de quebra, nos faz sentir um pouco menos culpados por, às vezes, sermos as piores pessoas do mundo.
Um grande momento
A minicomédia romântica do segundo capítulo… ou a conversa de Julie e Aksel sentados em uma mesa, sob uma árvore, quase no final.
O crítico viajou a convite da 66ª Semana Internacional de Cine de Valladolid
Espero que os brancos e heteros possam continuara “fazer cinema”porque do jeito que essa “procissão do correto “mais cedo ou mais tarde vai com certeza impedilos de se manifestarem ou se expressarem ,muito menos en cinema.Aos poucos percebemos que a liberdade será somente para alguns.O Nazismo começou assim.