Crítica | Outras metragens

A Viagem de Ícaro

(A Viagem de Ícaro, BRA, 2018)

  • Gênero: Documentário
  • Direção: Kaco Olimpio, Larissa Fernandes
  • Roteiro: Kaco Olimpio, Larissa Fernandes
  • Duração: 19 minutos
  • Nota:

Aviões. Os de verdade de longe, os da fantasia de perto, de lata e qualquer outro material que se possa moldar. O sobe e desce de um por trás da tela do aeroporto e o céu coalhado de vários dentro em um lugar coberto por lona. Aviõezinhos na chuva, aviãozão sobre eles, independentemente do tempo. Desde sempre o homem pensou em voar, em sair do chão e ganhar os ares. Está na mitologia citada pelo título, A Viagem de Ícaro, e nas inúmeras tentativas fracassadas já registradas ou no sucesso do 14 Bis. Hoje, voar em estruturas muito mais pesadas que o ar é algo comum, mas não para todos.

O curta-metragem encontra O Bazuka, a missão, catador de materiais recicláveis fascinado pela ideia de voar. Por trás do nome de guerra está Washington da Conceição, um homem que está sempre sorrindo e construindo novos aviões em miniaturas, de todas as formas e cores que puder. A ligação dele com cada um daqueles brinquedos transcende a natureza e se concretiza justamente naquilo que não é palpável: o observar dos aviões nos quais ele não pode andar.

A Viagem de Ícaro (2018)

Embora o retrato da exclusão seja sempre duro e triste, o modo como Bazuka lida com o mundo à sua volta traz alguma contradição. Há pungência, mas há carisma e uma empatia que se fortalece com a falta de palavras. Elas são pouquíssimas no documentário observacional. O cotidiano do personagem é o que interessa e, mesmo com o excesso de cortes, ele consegue ser captado por uma câmera que não se faz perceber muito.

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Washington, que mora e trabalha na reciclagem da flor, é um sonhador assumido. Seus sonhos estão escritos na porta de sua casa. A Viagem de Ícaro é cheio de definições e referências que ultrapassam o desejo dos documentaristas, já existiam antes deles e continuarão existindo, mas são por eles encontradas e manipuladas a ponto de criar uma mensagem.

A Viagem de Ícaro (2018)

Quando intercala seu documentado dormindo na chuva, ou usando seu boné com os dizeres “ordem e progresso”, há toda uma apropriação de símbolos que serve à narrativa. Assim também se sente a presença na praça em homenagem a Santos Dumont, onde Bazuka finge navegar o 14 Bis. São limites ultrapassados de influências do exterior no interior e do interior no exterior que chegam à réplica em miniatura e ao momento final do filme. 

O voar de Bazuka, assim como o de Ícaro, se traduz no alcançar dos ares, mas está recheado de outras coisas. Tanto o herói mitológico quanto Washington querem não apenas levantar voo, mas alcançar a liberdade, aquela que é negada a muitos, por mais que livres pareçam ser. Liberdade para realizar seus sonhos em um país que não permite sonhar.

Um grande momento
O final.

[6º Amazônia Doc]

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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