Crítica | Streaming e VoD

Brick

O que está além do espacial

O confinamento sempre foi mais do que estar preso em um lugar. Ele aparece na solidão de quem divide o mesmo teto, na desconfiança que corrói vínculos, no silêncio que se impõe onde antes havia diálogo. É nesse terreno que Philip Koch constrói sua narrativa em Brick, e o que poderia ser apenas um pesadelo físico se transforma em estudo sobre a distância humana.

Os personagens despertam e descobrem que a cidade se fechou. Não há janelas, portas ou corredores que levem a algum lugar. Mas o que os sufoca não é a barreira em si, é a vida entre quatro paredes e o lidar com o outro e com o passado, aquele momento em que cada gesto começa a parecer inútil. Koch filma esse estranhamento com um olhar atento ao tempo, que se alonga, e às relações, que se fragmentam.

Além dos problemas domésticos o ambiente se alarga. O prédio se torna organismo vivo, habitado por vizinhos que revelam fragilidades diante do medo. Há quem tente impor ordem, quem se prenda a rituais sem sentido, quem escolha caçar culpados. Pequenas alianças nascem e morrem rápido, sempre minadas pela desconfiança. Não é a parede que aprisiona, é a incerteza que os desfaz por dentro.

O confinamento mental toma forma no ritmo repetitivo, na ausência de horizonte, no peso de ações que não dão em nada. Num mundo onde o individualismo se estabeleceu como regra, Koch filma a comunidade improvisada como se fosse laboratório da desagregação. É a ausência de futuro, mais do que a prisão, que marca cada olhar e cada gesto.

Quando a barreira finalmente se revela, não há catarse. A tecnologia que a criou não importa tanto quanto os efeitos que deixou. O desaparecimento do muro não significa liberdade, apenas mudança de cenário. O que fica de Brick é o incômodo de um mundo em que paredes não precisam ser de concreto para se tornarem prisão.

Um grande momento
Entendendo as mãos

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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