Crítica | Outras metragens

Bestia

O mal que nos rodeia

(Bestia, 2021, 2021)
Nota  
  • Gênero: Animação
  • Direção: Hugo Covarrubias
  • Roteiro: Hugo Covarrubias, Martín Erazo
  • Duração: 16 minutos

Ela é só uma senhora qualquer, que anda com seu cachorro pela cidade, toma o ônibus, vive seu dia sem chamar a atenção de ninguém. A aparência não é apenas comum, é mais do que inofensiva, com a porcelana de seu rosto que remete às bonecas colecionáveis de outrora e a pelúcia de seu pastor alemão. Sua imagem a aproxima de um lugar lúdico e ingênuo onde o medo não costuma estar. A protagonista de Bestia é exatamente o contrário daquilo que vemos, se sua aparência desperta sentimentos triviais, seus atos fazem o estômago revirar e levam a mente ao lugar mais terrível e assustador.

O curta-metragem de Hugo Covarrubias volta no tempo para buscar o passado do Chile, mais especificamente ao tenebroso período de atuação da DINA, serviço de inteligência da ditadura de Pinochet. Aquela mulher é a doentia Ingrid Olderock, conhecida torturadora que usava seu cachorro para torturar sexualmente os prisioneiros, em especial as mulheres. Embora seja uma personagem real e baseando-se em fatos verídicos, o diretor parte da frustração por não poder mais praticar o mal. 

Bestia

Bestia acompanha o cotidiano regrado de Ingrid, em sua casa ou em sua interação com o mundo e destaca seus momentos de frustração, assim como sua solidão. O que se vê alterna entre a maldade que nos cerca e segue imperceptível, principalmente em um mundo que agora passa por uma onda de negação do passado e flerte com o fascismo; e a contrariedade da maldade genuína, aquela que contraria a ideia de que a obediência é a condutora dos atos.

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A animação em stop-motion é violenta em muitas de suas cenas e faz com que o público sinta-se sempre desconfortável com aquilo que acompanha. Porém, embora tudo que se veja seja evidentemente perturbador e a mensagem seja clara, Covarrubias não é explícito sobre aquilo que fala, justamente porque sua mensagem é ainda mais ampla e ultrapassa a individualização. O mal sempre vai além e não se atém a fronteiras de tempo e personalidade. Ingrid era uma agente da DINA, mas foram tantas outras pessoas em tantos outros lugares do mundo e ainda são muitas outras.

Com um interessante jogo estético que busca imprimir o disfarce da maldade e todo o peso e depravação que vem de seus atos, Bestia não vai ser um filme fácil, mas é necessário para se conhecer o passado, entender o presente e fugir de um futuro que ameaça acontecer, justamente porque se evita olhar para onde se deve.

Um grande momento
O ataque na rua

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Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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