(Bikram: Yogi, Guru, Predator, EUA, 2019)
Mais um documentário da Netflix sobre um personagem controverso e um tema que engaja tanto a opinião pública quanto a audiência: abuso sexual. Apesar da abordagem formulaica e um tanto cansativa, esse filme, dirigido pela ganhadora do Oscar Eva Orner, atrai pela mesma razão que Bikram Choudhury fisga seus pobres alunos/cobaias: o fascínio do nefasto. Criador da hot yoga, um método onde dobra física e psiquicamente as centenas de praticantes, forçando-os a estarem confinados num espaço apertado e com temperaturas que chegam a 42º, Bikram fez fortuna nos EUA com um império que vende bem estar por meio da dor.
No meio disso, ele pode afiar as garras de predador, estuprador e megalômano. Um sacrilégio uma figura tão tóxica transformar a prática milenar dos yogis, que envolve disciplina física e é a base da cultura indiana, com suas asanas ou posturas, técnicas de respiração e meditação, em modismo. E um modismo prejudicial a saúde, como explicam alguns depoentes do filme – entre ex-alunos, professores de yoga e vítimas -, submetidos a provações e privações especialmente durante o treinamento para professores.
Quase seguindo o esquema de thrillers documentais bem sucedidos da gigante de streaming como Wild Wild Country – sobre outro guru abusivo, Osho -, Bikram é um filme relevante e, em tempos de #MeToo, faz eco aos absurdos cometidos especialmente contra mulheres ao redor do mundo. Inclusive chega quando, no Brasil, vêm ganhando volume acusações contra um conhecido preparador de elenco, conhecido como “O Mago”, que usa métodos sempre semelhantes a todos os predadores e tem como principais vítimas jovens atrizes.
Bikram, conscientemente, escolhia jovens instrutoras de yoga, que não tinham familiares próximos, para residirem em sua casa durante um período e poder colocar em prática seus planos de assédio. Ou mesmo as convidava pra ver filmes de Bollywood e massagear seus pés nas noites após os extenuantes treinamentos durante a formação, quando as encurralada na porta do quarto e as estuprava.
Bikram se defende atacando as mulheres em uma série de depoimentos dados a justiça ou em entrevistas para programas de TV como Dateline da NBC, que a edição do documentário procura cruzar com sua visão distorcida da realidade, afinal, ele foi campeão de yoga três vezes (e isso está mais certo de ser mentira, como dizem algumas fontes na Índia) e teve como alunos e amigos Elvis Presley, Nixon, George Harrison, Barbra Streisand, Quincy Jones e Shirley Maclaine. Inclusive o ex presidente o teria concedido o Green Card como agradecimento por ter evitado que ele perdesse uma perna por conta da trombose.
Dentre as 26 posturas que ensinou e as duas técnicas de respiração, suor e lágrimas fizeram de Bikram a materialização do trauma na vida de muitas mulheres – inclusive da própria advogada, ameaçada de morte e que logo resolveu processá-lo. Hoje está refugiado dos EUA mas segue dando aulas e faturando. A pergunta que fica é: quantos mais serão os homens abusivos endeusados? E até quando?
Um grande momento
Sarah reconta a experiência na sala de postura