- Gênero: Drama
- Direção: Andrew Dominik
- Roteiro: Andrew Dominik
- Elenco: Ana de Armas, Adrien Brody, Bobby Canavale, Julianne Nicholson, Toby Huss, Xavier Samuel, Evan Williams, Caspar Phillipson
- Duração: 165 minutos
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Andrew Dominik é um diretor em busca de um tema específico, em sua obra. Não o mesmo tema, recorrente, que venha a cobrar sua presença filme após filme, mas um exemplar escolhido para o projeto específico onde está trabalhando. Unidos todos, podemos enxergar talvez traços de uma obsessão em seus personagens-atores; um desejo, uma motivação, uma queda, uma arte, um mito, todos enquadrados pelo viés do excesso. Blonde não é diferente, e estreia hoje na Netflix sob o signo do desconforto, que vai além do escaninho em que uma figura feminina é enxergada. Seja ela qualquer que seja a personagem, ele está mergulhado em um estado de espírito ininterrupto, e aí o que não soava gratuito na sua obra até então, aqui não se encaixa – capturando essencialmente o ponto de vista cinematográfico, a princípio.
Não há, a priori, uma questão problemática que diminua o filme, diante das violências que ele filma à exaustão. O foco na frase anterior não é exatamente ‘violências’, mas ‘exaustão’, especificamente. Obviamente que não se trata de caso de anuência ao horror perpetrado contra o corpo feminino, mas é preciso fazer um exercício à distância, com o objeto fílmico em mãos. Quanto é o suficiente para que uma ideia seja assimilada, antes do incômodo ter ultrapassado o limite e o quadro se tornar enfadonho? Adentrando ininterruptamente o mesmo gatilho cena após cena, a denúncia – se é que havia uma – sai de campo e o que fica é a repetição propriamente dita. Isso não é positivo para a forma como você expõe aquela situação, aquele corpo feminino, e igualmente o massacre de redundância que você está filmando.
Vindo de obras seminais como O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford e O Homem da Máfia, Dominik repete a contemplação em Blonde; em cena, Marilyn Monroe não é necessariamente uma figura “biografável”, mas um tubo de pasta de dente que não para de ser espremido. Diferente do lugar onde estão seus personagens dos filmes anteriores (essencialmente homens, preste atenção aos seus protagonistas e aos recortes que cada filme tem, a respeito de gênero), aqui sua protagonista não está. Não é dado a um dos maiores ícones da História do Cinema o direito que tiveram seus outros personagens; não há reflexão aqui, mas uma fuga constante da direção do campo de tiro em que é colocada. Todos querem atirar em Marilyn.
Seu corpo não é violado somente por ações diretas, mas principalmente é açoitado por ideias. São forças externas, homens e mulheres, que perpetuam um estado constante de sofrimento físico e psicológico a uma figura trágica por excelência, que não consegue se desvencilhar do que Blonde lhe proporciona. Baseado na ficção de Joyce Carol Oates que livremente investigou os dias da estrela de Quanto Mais Quente Melhor, não há nada tradicional por aqui, como era de se imaginar de um filme dirigido por Dominik. O que igualmente foi complexo de perceber foi sua visão deturpada a respeito da necessidade da reiteração de um juízo. Qualquer que fosse a motivação de seu autor, esse retorno por mais de 2 horas e meia do mesmo modus operandi em cena, é cansativo e desnecessário.
Que esse grupo de ações sejam reproduções acerca do machismo e da misoginia, um problema de escala narrativa acaba se configurando como uma perigosa assinatura. Dominik não tinha ainda encampado o protagonismo feminino, ou mesmo um destaque para o gênero em sua curta obra, e aqui sua ideia de promover um massacre em torno de Marilyn Monroe acaba por atestar algo à sua própria personalidade de autor, que sai em situação de desconfiança. É contumaz como Blonde não tem um bloco de eventos onde essa situação seja amenizada, o corpo de Marilyn parece eternamente pronto para ser ferido, incluindo por si mesma. Na metade da longa produção, o filme já parece ter chegado ao seu ponto e a partir de então, o que vemos na tela é um material repisado que não serve para outros fins que não os de aborrecer e de transformar seu material em tóxico.
A bordo da pele de uma protagonista tão icônica, Ana de Armas (de Entre Facas e Segredos) se sai com perfeito comprometimento. Ela faz a leitura ideal do que seria a Marilyn desejada por seu diretor, uma mulher atormentada desde a infância, e que encontra motivos suficientes para continuamente se fazer mal. Armas, que vem em curva ascendente, continua mostrando porque está na esteira de ser a próxima aposta do cinema, com um manancial de dispositivos infinitos para encarnar essa mulher. Seu desempenho, no entanto, não realça algum brilho particular de Blonde; ela está a serviço desse roteiro esgarçado, que incute violências e as faz soar como material gasto. Para completar o quadro, o filme não deixa de escorregar na breguice aqui e ali, com os últimos 5 minutos sendo especialmente risíveis. Alguém verdadeiramente achou que “o papai recortado na galáxia” era minimamente bonito de ser contemplado, que não precisaria cair na edição?
Ver uma produção tão desbragadamente problemática quanto Blonde, aí sim, realça o talento pregresso de seu diretor, que sempre esteve em patamar muito superior. Não queria citar Men mais uma vez, mas me soa como inevitável, com tudo que descrevi – reiteração extrema de suas ideias infanto-juvenis de sagacidade, e autorismo que não se percebe fazendo manutenção do patriarcado. Fica a torcida para que um talento tão evidente volte a encontrar o ponto de equilíbrio e compreensão que aqui faltou.
Um grande momento
Os rostos deformados na pré-estreia