- Gênero: Animação
- Direção: Cesar Cabral
- Roteiro: Cesar Cabral
- Duração: 90 minutos
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Vozes direcionam para um ambiente conhecido: a entrevista, quiçá o mais batido de todos os formatos do documentário biográfico. A estética, porém, traz alguma coisa de novo, em stop motion, elementos que procuram o realismo, mas se diferenciam nos pequenos detalhes, cores e brilho e nos seres, que buscam os traços de um chargista. Ele é Angeli, ícone da charge no Brasil, criador da revolucionária “Chiclete com Banana” e de personagens inesquecíveis como Rê Bordosa, Os Skrotinhos, Wood & Stock e Bob Cuspe, o punk rebelde que na realidade é o vice-dono do filme, inclusive dando nome a ele.
Bob Cuspe – Nós Não Gostamos de Gente, animação de César Cabral, se propõe a tomar um caminho truncado e arriscado. O encontro intencional com o artista leva à jornada fantástica daquele punk mal-humorado, um documentário que se transforma em road movie e vice-versa. Do banal ao inusitado, o mais elementar dos cenários: o bloqueio criativo. A ausência de ideias que se preenche com palavras e memórias de um lado, e vira o deserto do pós-apocalíptico de outro.
No fundo, o que se vê, são dois personagens que buscam o mesmo sentido, a mesma pessoa. Bob Cuspe, fugindo dos terríveis mini vampiros do pop, os sangrentos e coloridos elton johns, tem que enfrentar o vazio de uma mente empoeirada, habitada por antigos personagens constantes. A representação da angústia da criação, do deserto do bloqueio, assim como a relação de Angeli com os personagens que ele julga terem se tornado “fáceis” é muito boa.
Essa jornada, seguindo a profecia que estava nas páginas de um velho número da “Chiclete com Banana”, pela cidade deserta, canos de esgoto e dunas, de táxi ou a pé, são graficamente opostas ao arrumar infinito de memorabilia, fotos e resgates de memória que Angeli vai fazendo enquanto registra sua voz no gravador ou mesmo às intromissões meio deslocadas daquelas que com ele convivem.
Mas existe um momento alucinado — e pode-se dizer que alucinógeno — de encontro dessas duas realidades. Cabral une as duas projeções de seu protagonista — no fundo mesmo criatura e criador nunca deixam de se confundir — e faz com que o purgatório de Bob Cuspe e o inferno de Angeli se conectem. Para isso, brinca com cores, abusa do neon, volta no tempo e traz o que marcou o período do lançamento do velho punk, sem falar de brincadeiras cinéfilas de gênero.
Há uma certa incontinência e excessos, mas Bob Cuspe – Nós Não Gostamos de Gente é ousadia e, mais do que isso, carrega no seu DNA o espírito inquieto e ranzinza daquele de quem fala ou a quem abre o microfone para falar de si mesmo. Só por optar pela forma inusitada já merecia atenção, afinal de contas, não é todo dia que parte da criatura no meio do nada em busca do criador para falar sobre ele. E se isso vem com uma animação de encher os olhos, muito melhor.
Um grande momento
Mundo invertido