Crítica | Catálogo

O Palestrante

Soltem suas feras

(O Palestrante, BRA, 2022)
Nota  
  • Gênero: Comédia
  • Direção: Marcelo Antunez
  • Roteiro: Cláudia Jouvin, Fábio Porchat
  • Elenco: Fábio Porchat, Dani Calabresa, Antonio Tabet, Maria Clara Gueiros, Otávio Müller, Paulo Vieira, Miá Mello, Rodrigo Pandolfo, Letícia Lima, Debora Lamm, Camillo Borges, Ernani Moraes, Evandro Mesquita
  • Duração: 105 minutos

Pense nesses nomes: Fábio Porchat. Dani Calabresa. Maria Clara Gueiros. Letícia Lima. Paulo Vieira. Miá Mello. Talvez uma palavra que os uniria, que aglutinaria os talentos por trás de cada um deles, fosse a anarquia. Muitos (e outros do elenco) já passaram pelo Porta dos Fundos, o canal de humor que formou uma grossa fatia do que se entende por comédia no país nos últimos 10 anos. Por lá mesmo, tantos adquiriram essa verve tresloucada para um humor sem limites estéticos – mas que cada vez mais, sim, éticos. E tá tudo absolutamente bem, inclusive sua voz nessa direção sempre apoiou a revisão do humor e congregou uma renovação do mesmo, sem perder a ousadia e preservando a qualidade, com respeito. Sim, muitos desses nomes também pregam um humor responsável, ainda que absolutamente provocativo. Esse é o principal susto, então, por trás de O Palestrante, estreia de hoje nos cinemas.

Marcelo Antunez, apesar do indizível Polícia Federal no currículo, tem incursões em comédias franqueadas, como Até que a Sorte nos Separe 3 e Qualquer Gato Vira-Lata 2. Sua correção decisória para o material que capturou dessa vez vai contra a natureza desses artistas já citados, e do próprio humor por excelência. Apesar de já ter experimentado esse passeio pela comédia com resultados de repercussão bem evidentes, o diretor aqui impõe um controle espacial ao que filma, e isso limita suas explosões, necessárias às amarras que o espectador precisa ver extravasada por uma comédia. Ainda que exista uma intenção de doçura aqui, é uma assumida comédia romântica que está sendo apresentada, seus atores têm talento de sobra para a adequação. O que se esconde, vez por outra, é esse potencial que todos têm para o exterior. 

Essa preocupação não é exclusiva de Antunez, mas também está no roteiro escrito por Porchat e Claudia Jouvin. Suas demonstrações de humor são sempre bem-vindas, permitem ao elenco exercer sua verve com ferocidade, mas boa parte do tempo, o grupo parece domado. Como se tivessem suas posturas diluídas em um material que tosa suas benesses. E repetindo, isso não prejudica necessariamente a eles, porque são pessoas cujo talento está mais que comprovado, e aqui inclusive os demonstra. Mas o choque desse material mais comportado, e até um pouco confortável, limita o próprio filme, que vê suas possibilidades, que eram do campo infinito, a frear capacidades. Temos então um filme extremamente simpático, do qual temos sempre carinho, mas que não arrebata.

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O Palestrante
Ique Esteves

Talvez fosse essa a intenção, e isso caia muito bem no hoje arredio em que vivemos, transformar a acidez em delicadeza, e comprometer seu título a um lugar do cuidado e da ternura. Mas Antunez não é Ian SBF, que fez de Entre Abelhas uma surpresa deliciosa, bem dirigida e esteticamente arrojada, além de escrita com gabarito. Porchat, o astro aqui e lá, não perde a mão como ator, mas parte do seu próprio roteiro a escolha pelo conforto de toada. Estar nesse lugar, pra ele e seus companheiros, é desafiador com certeza, e os mais experientes tiram essa experiência de letra. Mas eles não têm como carregar todo o esforço sem deixar vazar um possível esforço da produção em aparentar excesso de cuidado, que faz com que a vibração das suas cores fique mais na intenção que na realização. 

Sozinhos, todos esses citados brilham, mas dois sujeitos conseguem driblar o lugar de afeto que o filme teima em nos empurrar, Antônio Tabet e Otávio Müller. O primeiro tem o personagem mais escrachado da produção, escrito especialmente para ele, e dá muita conta de manter sua persona em cena. Forma uma dupla muito azeitada com Gueiros, e O Palestrante sempre parece encontrar seu lugar quando eles estão juntos. Já Müller é um dos grandes do cinema brasileiro, e aqui emprega sua versatilidade em um personagem muito desagradável porque, como o personagem de Porchat fala, só reclama. Ele consegue a proeza de humanizar um ser que é o puro suco do estereótipo, e transformar sua carranca em lugar onde podemos acessar todo seu arsenal de sentimentos retraídos. 

A boa montagem de Marcelo Pimenta acentua os momentos verdadeiramente engraçados do longa, que têm alguns momentos sabotados pela trilha sonora, intrusiva e óbvia, que carrega o filme para lugares esperados. Ainda assim, nunca é cansativo acompanhar O Palestrante, porque é um filme que faz suas escolhas com muita exatidão, e vai até o fim na crença delas. Como se trata desse elenco acima do bem e do mal, lógico que nossas gargalhadas virão, porém com menos intensidade do que se imaginaria. São pessoas de trato muito livre com o humor, de radical roupagem com a linguagem e com o corpo no humor. Vê-los em segurança não provoca a melhor reação, mas muito talentosos que são, eles se sobrepõem a tudo que eventualmente os prenda. 

Um grande momento
O primeiro encontro entre Josué e Marcia

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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