Crítica | Festival

Não Quero Falar Sobre Isso Agora

Fracasso íntimo como metáfora do fracasso coletivo

O início dos anos 90 foi um período de suspensão no cinema brasileiro, um hiato entre o colapso da Embrafilme e a emergência de novas formas de financiamento, e é exatamente nesse vazio que Mauro Farias lança Não Quero Falar Sobre Isso Agora, uma obra que captura o torpor afetivo e a decadência emocional da classe média. O filme, de 1991, é uma representação do desencanto no período pós-ditadura militar, onde a redemocratização já não empolgava e o país, atolado em crises econômicas e políticas, ensaiava seus primeiros flertes com a frustração neoliberal.

O filme se constrói com uma proposta estética bastante coerente com sua narrativa. A fotografia, mesmo com um Rio de Janeiro vibrante do lado de fora, aposta em interiores comuns, onde passa boa parte do tempo. A câmera, às vezes estática demais, evita a fluidez e transformar a imagem num espelho do bloqueio emocional dos personagens. A direção de arte reforça esse esvaziamento: são ambientes que, embora despojados, evocam o fracasso dos sonhos de modernidade, seja na simplicidade de Meg ou na cafonice exagerada de Daniel.

Mauro Farias é a aposta em um cinema de personagens, onde o que interessa é o que não é dito, o que se esconde nos gestos interrompidos. Evandro Mesquita, tão identificado com a persona do malandro carismático, se desloca para uma atuação mais dúbia, ainda irônica, mas sempre no limite do esgotamento afetivo. Marisa Orth, em um registro diferente, mas ainda reconhecível, apresenta uma sinceridade crua. Eliana Fonseca, talvez a mais discreta em termos de presença cênica, constrói sua personagem no subtexto, na economia, criando um contraponto necessário ao ritmo dos colegas de cena.

Datado e incômodo, em especial pelo cunho altamente machista e gordofóbico, Não Quero Falar Sobre Isso Agora tem um valor interessante ao ser analisado considerando-se seu momento de lançamento. Ele não é um filme que busca redenção, nem oferece qualquer pista de superação. É um retrato melancólico de um tempo e de uma geração que começa a se perceber vazia, deslocada, sem grandes causas ou utopias. Talvez, por isso mesmo, envelhece com dignidade, por conseguir falar do fracasso íntimo como metáfora do fracasso coletivo.

Um grande momento
A bicicleta

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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