Crítica | CinemaDestaque

De Volta à Córsega

Lugares nossos

(Le retour , FRA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Catherine Corsini
  • Roteiro: Catherine Corsini, Naïla Guiguet
  • Elenco: Aïssatou Diallo Sagna, Esther Gohourou, Suzy Bemba, Lomane de Dietrich, Denis Podalydès, Virginie Ledoyen, Harold Orsini, Cédric Apietto
  • Duração: 105 minutos

Ainda que trata-se de uma história que, de alguma maneira, já foi filmada antes, não há como ficar indiferente a De Volta à Córsega, estreia da Imovision nos cinemas desta semana. O que Catherine Corsini acrescenta de novo é a temperatura da produção, que não parece muito disposta a lidar de maneira branda com o que é apresentado. Sua percepção das coisas é a mais transparente possível, e é muito bom lidar com um filme que age sempre com honestidade, com seus personagens e com o que precisa extrair deles. Não existem subterfúgios para se conseguir algo em cena, o filme simplesmente apresenta o problema, propõe a solução e tudo soa com extrema descomplicação, sem nunca parecer irreal. 

Corsini esteve na competição principal do Festival de Cannes com esse filme esse ano, e apesar de aparentar leveza, e ter um roteiro que já esbarramos por aí algumas tantas vezes, a novidade de De Volta à Córsega vem das entrelinhas que ele apresenta aqui e ali, e que precisam ser percebidas pelo espectador. Não se trata de uma família protagonista qualquer, mas de uma família de mãe solteira, preta, com duas filhas adolescentes, envoltas em uma realidade absolutamente branca. São três mulheres, de classe média baixa, com necessidades explícitas (e jamais estou falando de monetárias), e que servem, por escolha própria ou não, a desígnios da branquitude, que as coloca onde quer e as tira de onde quer, quando assim for de seu interesse. 

Esse trio está em ambiente que é a sua casa, mas que não as reconhece como tal, por causa exclusivamente de sua cor de pele. Jessica acabou de adentrar em uma faculdade com louvor, mas não é reconhecida como tal; Farah é vista como uma arruaceira perigosa, mesmo se comparada a traficantes locais; essas são as filhas de Khédidja, uma mulher que cuida dos filhos dos outros, como tantas mulheres pretas, enquanto vê as decisões das suas passarem ao seu largo. De Volta à Córsega é um convite leve e compreendido a uma realidade que está à nossa frente desde sempre, mas que só é assimilada quando é envolta na narrativa tradicional que, mesmo periférica, geralmente cabe ao branco, que até esse lugar costuma tomar. 

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A diretora de A Fratura não deixa de olhar para a sexualidade de seus personagens, seja no contexto que for. Então é positivo observar o quanto de nós essas protagonistas têm, no que tentam sobreviver aos pesares, mas cujo apetite sexual não é algo abdicável. Paralelo à luta, De Volta à Córsega sabe que essas mulheres ainda vibram e, cedo ou tarde, cada uma ali ainda precisa compreender o que fazer com cada lastro de desejo que liberam no mundo. E é lindo perceber que Corsini entende, cada vez mais, que a volúpia não precisa se encaixar em um tempo, ou em um corpo, ou em uma aceitação; em idades distintas, as protagonistas estão ávidas por vida, e o sexo é parte integrante dessa busca por algo que elas não sabem bem o que é ou onde está, mas seguimos procurando. 

Tem cheiro de Que Horas Ela Volta? em vários momentos de De Volta à Córsega, e é especialmente bonito que nosso cinema hoje possa sim inspirar tantos outros ao redor de outros cinemas, e isso ser uma realidade onde o plágio não se configure. Do pai da família branca ao comportamento de Farah com a mãe, são pinceladas simples e sutis mas que constituem um filme novo, que se comunica com uma ideia diferente. São pessoas cuja medida são o trabalho que exercem (ou que irão exercer), mas que nada disso as define. São um grupo de pessoas que evidenciam seus temores através de um impulso para a descoberta, de algo que está chegando de novo ou uma peça que estava faltando para o passado. É simplesmente bonito e necessário acompanhar essa jornada, nada inédita em narrativa, mas muito premente no detalhamento. 

Ainda que seja uma existência cercada pelo que os outros moldaram, e refém da constante permanência branca, De Volta à Córsega atenta para os ventos da mudança, mesmo que na última curva. É doar o que é preciso doar, mas sabendo cobrar também o recebimento na mesma medida. Tem algo de novo nascendo, em meio ao caos, e Corsini sabe ler onde as dores do passado não podem assolar um clamor por uma construção de identidade. Não é ingênuo enxergar que somos nós quem iremos acender as luzes do nosso próprio túnel. 

Um grande momento

A aceitação do pai ao romance novo

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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