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Jovens Polacas

Um presente que não orna

(Jovens Polacas, BRA, 2019)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Alex Levy-Heller
  • Roteiro: Alex Levy-Heller
  • Elenco: Jacqueline Laurence, Emílio Orciollo Netto, Lorena Castanheira Lorena Castanheira, Thierry Tremouroux, Berta Loran, Flávio Migliaccio, Branca Messina, Alessandra Verney, Thalita Godoy, Talita Feuser, Raquel Karro, Lorena Ecard
  • Duração: 96 minutos

Alex Levy-Heller já tinha mostrado sua habilidade na construção de quadros finamente elaborados em seu belo terror gótico Christabel. Agora em Jovens Polacas, o diretor confirma que realmente tem um olhar privilegiado para a composição cênica, seja no preenchimento do espaço, uso das cores, profundidade, iluminação e referências pictóricas. Há, ao mesmo tempo, crueza e beleza no passado triste daquelas mulheres judias trazidas para o Brasil como escravas sexuais a partir do século 19. A contraposição é interessante por confundir expectativa e realidade, imaginação infantil com a vivência cotidiana e a noção da sociedade com a visão de seu próprio povo, que as rejeitava.

Jovens Polacas é baseado no livro homônimo de Esther Largman, que pesquisou a fundo a história das jovens judias do Leste Europeu. De famílias pobres, elas eram trazidas ao Brasil e à Argentina por uma organização criminosa conhecida por Zvi Migdal sob falsas promessas, inclusive de casamento, e aprisionadas em casas onde tinham que trabalhar como prostitutas baratas, chegando a atender mais de 20 clientes em uma única noite. Muitas morriam doentes de sífilis e tuberculose. O filme escolhe o caminho que traçará para contar essa história, e nomeia uma dessas mulheres, Sarah. Fugindo um pouco da dinâmica da Zvi Migdal, dá a sua protagonista outra motivação para vir ao Brasil, mas o mesmo destino.

Jovens Polacas (2019)

E se há um certo exagero na apresentação de Sarah, como uma mulher diferente de todas que a cercam e em sua condição de saúde, a ambientação é um diferencial que sustenta esses primeiros minutos. A opção pelo tom teatral também é aceito pelo espectador e tudo vai se estabelecendo conforme o esperado, mas Levy-Heller rompe abruptamente o pacto que acabara de criar quando transmuta o tempo e leva a história para um presente desconexo em aura e andamento. Em um apartamento frio, acompanhamos algo que não se identifica de pronto. A quebra é sentida e não acontece apenas uma vez.

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Mesmo que o interesse consiga se restabelecer algumas vezes, principalmente pela construção estética que, como destacado, é realmente impressionante, outros elementos deixam de fazer sentido. Esse presente não se restringe apenas a essas incursões e muito menos àquelas duas personagens, outros elementos vão surgindo, fazendo menos sentido, ainda que seja sempre muito bom ver Berta Loran e o saudoso Flávio Migliaccio em cena. São fraturas que comprometem a própria história de Sarah e seu desenvolvimento.

Jovens Polacas (2019)

Pensando contextualmente, a questão da violência, se justifica, porém, há um outro ponto que causa incômodo em Jovens Polacas. Quando o diretor retrata dois elementos específicos: o onírico que referencia o pictórico, em uma nudez feminina que se apresenta contextualizada e transcende o uso do corpo pelo corpo no passado, num lugar de quase delírio e do intangível no sentido de realidade de vida, mas que aparece no presente sem qualquer justificativa, numa cena completamente gratuita, aleatória. Pior, essa mesma cena é seguida por uma injustificável interrupção e diminuição pelo homem. Aquela mulher do agora não mais aparece. Para que então?

A sensação é que Jovens Polacas é mais de um filme. Um tem uma história bem amarrada, que entende onde quer chegar, o outro ainda está tentando se encontrar e tem uma vontade muito grande de se ligar a esse primeiro. Talvez Levy-Heller deveria ter ficado com suas texturas, sua habilidade com as cores e as sombras, seus jogos espaciais e a habilidade na construção de atmosferas, acreditando em seu material, sem que explicações fossem necessárias. A história poderia ser contada por Sarah e por Mirinha, mesmo que criança, ela também viveu tudo aquilo, ela estava ali também.

Um grande momento
A mãe olha para a filha e chora

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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