Crítica | Streaming e VoD

Driveways – Uma Amizade Inesperada

Nada é para sempre

(Driveways , EUA, 2020)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Andrew Ahn
  • Roteiro: Hannah Bos, Paul Thureen
  • Elenco: Hong Chau, Brian Dennehy, Lucas Jaye, Christine Ebersole, Jerry Adler, Stan Carp, Jack Caleb, James DiGiacomo, Sophia DiStefano, Jeter Rivera
  • Duração: 80 minutos

Filmes de estrutura aparentemente simples, existem aos borbotões, cada vez mais interessados em revelar que sua simplicidade não passa de um cartão postal para impressionar os mais desatentos. Difícil é encontrar um de caráter verdadeiramente simples, e que ao menos aparente interesse nas tais coisas simples da vida. Pois bem, estamos diante de Driveways – Uma Amizade Inesperada, estreia recente do streaming Looke, cuja singeleza transforma o que deveria ser banal em uma reflexão sobre o tempo (sempre ele…), um punhado de escolhas que reverberam para a vida, e o que fazer com os afetos que nos atravessam ao longo da vida. Tudo de construção dramática frugal e uma entrega emocional também sucinta, não é mesmo? Não, não é mesmo. 

Finalmente estreia por aqui essa segunda direção de Andrew Ahn, o responsável pelo belo Fire Island do ano passado, e da revelação Spa Night. Junto com Driveways – Uma Amizade Inesperada, ele demonstra que consegue passear por inúmeras jornadas, alguns condicionamentos diferentes, e enquadrar retratos com desenvolvimentos distintos em ritmo e abordagem. Ainda que não falte sensibilidade a nenhum dos três títulos, a maneira como Ahn transforma cada trajetória e cenário que trabalha, pois acima de tudo ele lê muito bem os signos que dispõe. Aqui existe até uma certa leveza, mas a proposta não é cômica, ao mesmo tempo em que sua reflexão não exala uma pretensa densidade; as situações são sérias, mas o tradicional ‘o mundo visto pelos olhos de uma criança’ impede a produção de criar uma camada mais pesada que a devida. 

São basicamente três narrativas que formam a espinha dorsal de Driveways – Uma Amizade Inesperada, intercaladas na formação de um núcleo único. Uma mãe solo que precisa confrontar o tempo perdido de suas relações familiares; seu filho prestes a completar nove anos, que não consegue administrar o tempo físico ao seu redor; o vizinho recém-descoberto, cujo tempo físico está mais escasso, e precisa lidar com uma solidão que está deixando de ser. Ou seja, o tempo talvez seja o tema universal recorrente tantas vezes em tantas outras produções, e aqui isso tem um grau de sutileza ainda maior do que já foi utilizado outras vezes. Não está colocado em cima da mesa, passeia pelas entrelinhas como se não tivesse a importância que definitivamente tem, deixando as relações entre esses três personagens dominarem a primeira camada de leitura. 

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Mas como estamos no terreno do interdito, Driveways direciona seus holofotes mais para a nossa interpretação dos acontecimentos do que a eles em si, que estão ali para formar uma impressão sobre o todo. Pode-se elaborar que esse é o desenvolvimento sobre qualquer obra, que nossa percepção muda conforme cada visão, mas aqui isso é ainda mais premente, tendo em vista cada momento de introspecção do trio protagonista. Diferente do que vimos em suas outras obras, aqui seus personagens estão tentando entender o mundo em mutação que o rodeia. São histórias prestes a deslanchar em direção contrária ao que imaginaram, que pedem essa pausa dramática à espera de um entendimento coletivo em relação ao que pode ser feito com o que já não têm sua assinatura, mais. 

Se a aparência é simples, nada em seu resultado denota isso. Na verdade é de carpintaria muito sofisticada que todos os elementos de Driveways – Uma Amizade Inesperada sejam conduzidos com esses toques, tanto de doçura quanto de significado. E não estou falando de narrativa, mas do que Ahn consegue olhando para o nada, para o movimento curto. Não é através da palavra escrita ou falada que o filme nos transporta para o que está sendo transmitido em cena, e sim do que é conseguido nos momentos onde aparentemente nada está sendo comunicado. É um trabalho de direção que um desavisado chamaria de invisível, mas que é entrelaçado com o que vemos, exclusivamente, como se pudéssemos compreender seu desenvolvimento mesmo sem a utilização do som – e podemos. 

A cada nova captura de movimentos, a própria organização dos corpos em cena, a forma como cada personagem surge desorganizado das tendências comuns, já transforma a experiência de Driveways – Uma Amizade Inesperada em algo incomum, mesmo dentro do padrão do cinema independente. Alguns planos apontam a construção das relações, como o convite para o aniversário que Cody faz a Del, através dos quintais, ou a cena seguinte, quando o protagonista entrega esse mesmo convite às crianças da rua, e elas continuam brincando. Uma relação que parece próxima, mas talvez tenha sido superestimada por seus vetores, o que não a transforma em algo leviano; nada aqui é leviano, mas seus personagens deveriam observar suas novas configurações e entender que nada é para sempre. Sem perder o hoje e a qualidade do que é plantado, sempre haverá um dia após o outro, para o bem ou para o mal. 

Um grande momento
O aniversário de Cody

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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