- Gênero: Drama
- Direção: Thomas Vinterberg
- Roteiro: Thomas Vinterberg, Tobias Lindholm
- Elenco: Mads Mikkelsen, Thomas Bo Larsen, Magnus Millang, Lars Ranthe
- Duração: 116 minutos
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Em determinado momento de Druk – Mais uma Rodada, o novo filme do craque dinamarquês Thomas Vinterberg (de A Caça e A Comunidade) essa frase do título é dita, antes da metade, creio. Ela faz todo sentido ao olharmos as entrelinhas não muito bem reveladas do longa, que deixa pistas pro espectador mas não se revela por completo. É algo geracional, mas também é um momento de ressaca mundial; há um entorpecimento no mundo hoje, uma paralisia seguinte a um furor alucinante que nos prometeu soluções, consertos e qualidade de vida. Se nem a Dinamarca viu esse momento contemporâneo acontecer por completo, fica até difícil cobrarmos uma evolução no Brasil.
Com ares pueris, o filme fez o encerramento da 44ª Mostra de São Paulo e foi um dos selecionados para um Festival de Cannes que, de fato, nunca ocorreu, não passou de uma seleção vaga. Ecoa em 2020, ecoa nessa sombra artística embaçada pela pandemia COVID-19, ecoa na profusão de desacontecimentos que vivemos nessa temporada a história desses quatro amigos, professores que vão dos 40 aos 55 anos, que estão literalmente estagnados na vida. Como se fosse um Nostradamus na cadeira de autor, Vinterberg fez do seu cinema de pequenas causas que geram grandes consequências uma vitrine de um ano que nunca existiu, embora todos tenhamos vivido (e sofrido) com o mesmo.
Na espinha dorsal de Druk está um dos atores que se identificaram com o diretor mesmo só tendo trabalhado com ele uma vez, Mads Mikkelsen. A seu Martin falta disposição, encorajamento, falta despertar do torpor onde o mundo o jogou, esvaziado em algum momento entre o casamento e o agora. O personagem perdeu a motivação não apenas no trabalho – onde vem sendo chamado a atenção – como também em casa, transformada em um modelo robotizado de família industrial, sem paixão e sem entrega. Quando uma faísca alcoólica o acerta junto a seus três companheiros de quadro negro, o que parecia uma saída obviamente se mostrará o real labirinto.
Ok, é um filme com a moral da história muito óbvia e clara desde a sinopse: o alcoolismo não é salvação, é uma doença grave com a qual não se brinca, e talvez Druk fuja aqui e ali das responsabilidades em lidar com o tema, já que o aborda. Não é que necessariamente o cômputo geral não seja levado a sério, o problema não é esse; quem já conviveu com alcóolatras, sabe que tem uma diferença entre o primeiro porre e o centésimo primeiro, e desse para o milionésimo quinquagésimo. E isso é material dramático, que o filme – com toda a pressa compreensível que uma produção de menos de 2 h precisa abarcar para contar – ignora, ainda que percebamos os caminhos de seu roteiro.
Outra questão narrativa em Druk envolve o protagonismo do quarteto; quando falo que Mads conduz a espinha dorsal, é porque nela toda dramaticidade está concentrada, enquanto aos outros gradativamente menos em uma escadinha que se seguem Magnus Millang (menos espaço), Thomas Bo Larsen (bem menos espaço) e Lars Ranthe (quase nenhum espaço). Apesar disso, o elenco está soberbo e a parceria de Mads com Bo continua afiada, rendendo uma cena impressionante onde os amigos parecem se despedir.
O trabalho de Sturla Brandth Grøvlen (de Shirley) na fotografia é nunca menos que primoroso, que inclui o chiaroscuro concebido para contrabalançar a felicidade extrema dos amigos causada pela bebida e o tons ocres que ela estabelece na descoberta do prazer de beber, como se mergulhasse o longa em um tonel de carvalho. Uma cena em particular enche os olhos, quando eles tomam o primeiro porre pesado e, posteriormente, há uma sucessão de quedas no vazio da escuridão, onde as imagens e sua luz por si só já constroem um texto imaginário sem falar nada.
Se o roteiro de Vinterberg e Tobias Lindholm não acrescenta os detalhes e contornos que seus personagens mereciam, não dá pra condenar a produção por não contextualizar socialmente no filme todo um recorte do nosso tempo. Além disso, Druk aos 45 do segundo tempo parece demonizar o álcool (que não é o vilão – talvez o alcoolismo seja, o álcool não é), mas nos prega uma peça ao dar de presente ao seu protagonista uma das mais belas cenas do ano, um tour de force completo que vai do calcanhar aos fios de cabelo e coloca a celebração e a efervescência que o estado alcoólico, quando bem dosado, pode levar ao humano.
Os tais 0,05% que faltam de substância alcoólica do tal experimento praticado pelos amigos se mostra, dentro da zona de proteção necessária, real – com toda polêmica que essa afirmação cause a dependentes. E aí é que vemos Thomas Vinterberg mais uma vez fazendo o que ele faz de melhor, aqui de maneira suave: instigar e provocar.
Um grande momento
A belíssima sequência final