- Gênero: Musical
- Direção: Jon M. Chu
- Roteiro: Quiara Alegría Hudes, Lin-Manuel Miranda
- Elenco: Anthony Ramos, Melissa Barrera, Leslie Grace, Corey Hawkins, Olga Merediz, Jimmy Smits, Gregory Diaz IV, Daphne Rubin-Vega, Stephanie Beatriz, Dascha Polanco, Noah Catala, Lin-Manuel Miranda, Mateo Gómez, Marc Anthony
- Duração: 143 minutos
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Jon M. Chu é um diretor que definitivamente persegue o superlativo. Seu olhar não busca apenas o macro das relações humanas, do que é intrínseco ao ser, mas principalmente do Cinema, das suas molas propulsoras e de sua roupagem. Não há lugar para tempos mortos, ainda que o sensível pode ser facilmente identificável; seu modus operandi não é definido pela proporção que emprega em sua obra, porque ele também se debruça sobre o primal, porém o que é suave em si transforma-se em ponte que une os dois lados do gigantismo que é parte dele. Sua adaptação para Em um Bairro de Nova York vem como um amálgama dessas características, que não devem ser negativadas per se – ele é como é.
A abertura do musical, que desde 2007 conquistou bilheterias e Tonys nos palcos da Broadway, já ambiciona essa grandiosidade típica dos musicais, mas que salta aos olhos especificamente aqui não por confirmar Chu em seu habitat natural, como dentro da seara do gênero. O musical, por excelência, transcende o naturalismo, com seus códigos que permitem diálogos cantados, sentimentos versados e coreografia para demonstrar sentimentos, entre muitas definições afins. Com isso, é comum que suas produções se embrenhem pelo artificial em sua estrutura mecânica também, sem estranhamento. O diretor, no entanto, filma sua saga em locações reais, nas ruas exatas cantadas por seu elenco, e isso eleva seus predicados e nos insere no contexto narrado, como necessário.
Em um Bairro de Nova York precisa desse envolvimento emocional do espectador, porque sua base é muito crível e atual – a gentrificação gradual que grandes cidades como a Big Apple rapidamente se viram incontornáveis em realizar. O filme explora esse grupo de imigrantes latinos que construiu naquele subúrbio um pedaço de pátria muito particular, com suas particularidades e idiossincrasias, criando seus laços e raízes a novas gerações (“você chegou aqui aos 8 anos, eu cheguei de fraldas – eu sou nova-iorquino”), hoje alvo de um processo de tentativa de “realocação”, ou uma palavra bonita para designar a xenofobia com que esses novos americanos ainda sofrem no solo do lugar que eles ajudaram a prosperar.
As canções, a cargo de Lin-Manuel Miranda (o Homem do Ano, em participação especial aqui, e vindo aí com A Jornada de Vivo, Encanto e tick tick… BOOM!, sua estreia na direção de cinema) e Quiara Alegría Hudes são deliciosas na audição conjunta com as imagens, mas praticamente não perduram após a sessão – isso é exatamente um problema? Em tese, não seria, já que elas funcionam a contento dentro de seu universo. Mas não é algo natural que elas não tenham a força dramática que a própria narrativa sozinha já é carregada independente delas, e que inclusive compunham sequências impressionantes, como o balé pelas paredes do edifício ou o solo de Abuela Claudia.
Esteticamente vibrante, essa é outra característica fácil de identificar na obra de Chu, um diretor cuja plasticidade não é esvaziada de qualidade. Em Podres de Ricos, ele desfolhava uma Singapura fascinante visualmente, de colorido sem igual, e aqui ele não pesa nas tintas para estereotipar seus personagens, vindos de origens diversas da América Latina. Tanto a fotógrafa Alice Brooks quanto o montador Myron Kerstein são colaboradores do realizador que já entendem seu estilo, e suas provocações de iluminação e ritmo. O que Alice em especial consegue é de profunda delicadeza, sem criar histerismo visual com seus planos ou mergulhar o filme numa espiral de cores estroboscópicas e berrantes, ou seja, tratando visualmente o longa com delicadeza e deixando a ostentação por obra da própria natureza do gênero.
O trabalho de Keirsten, no entanto, merece considerações especiais, no que obviamente Chu também tem responsabilidade. São duas horas e vinte minutos sentidos em cada segundo, e após a empolgante apresentação inicial o filme segue nos encantando em diversos momentos. Repleto de personagens que são devidamente desenhados com cuidado e dedicação, o filme não parece entender que se trata de uma adaptação, e não a transposição literal da mesma experiência teatral, ideia essa que raramente é bem sucedida. Sem suprimir eventos e principalmente na extensão de suas cenas, Em um Bairro de Nova York se torna exaustivo não necessariamente porque nos fornece mais do que deveria, mas porque não consegue enxugar cada momento, que tornam-se redundantes dentro de cada sequência; a mensagem já foi passada, e a cena ainda está na metade, e isso acontece com frequência.
Isso não apaga o charme de um filme onde cada passagem parece especial, seja pela sua intensidade, pelo que está representando, pela forma como retrata aquele grupo de sonhadores que não quer perder o que tem ao mesmo tempo que não deseja mais estar ali, criando uma ambiguidade muito bem vinda e muito bem trabalhada pela produção. Ao menos três protagonistas amam seu lugar, isso é percebido com clareza, mas isso não os impede de considerar que exatamente ali não os realiza – uma típica inquietação de imigrantes, que o filme não sublinha mas norteia de maneira precisa. Também chama a atenção que o longa tenha escalado um elenco muito mais talentoso e adequado do que chamativo e esteticamente atraente – os homens, inclusive, não estão em forma e pelo menos dois ostentam barriguinhas bem naturais. Longe do crítico que vos escreve se prender a esse tipo de tratamento fútil, mas essas imperfeições dentro de uma Hollywood que venera Brads e Angelinas é quase emocionante.
Com um corte que diminuísse em pelo menos meia hora sua duração, Em um Bairro de Nova York saltaria da tela com ainda mais vigor e emoção, sem dedicar-se a tramas que o próprio não faz questão de amarrar mas que se empenha em encampar (a relação entre o pai que deseja a formatura da filha, enquanto a mesma precisa se sentir pertencida, entre muitos exemplos). Trata-se, ainda assim, de uma carta de amor à Casa, ao Lar, à Terra, à Pátria, que, como já disse outras produções, é o lugar onde o nosso coração está. Isso acaba ainda falando mais alto do que seus incríveis números musicais, o que soa talvez deslocado, mas que nunca é um problema direto. A efervescência de sua mensagem, a entrega de seus profissionais e o talento de Anthony Ramos (de Hamilton e Nasce uma Estrela) na cabeceira do elenco são suficientemente empolgantes para que o filme seja uma experiência acima da média.
Um grande momento
96 mil