- Gênero: Suspense
- Direção: Frédéric Tellier
- Roteiro: Gaëlle Bellan, Simon Moutairou, Frédéric Tellier
- Elenco: Gilles Lellouche, Pierre Niney, Emmanuelle Bercot, Laurent Stocker, Yannick Renier, Chloé Stefani, Marie Gillain, Jacques Perrin
- Duração: 121 minutos
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Antes de começar a destrinchar Golias, um dado acerca de dois filmes exibidos no Festival Varilux 2022 até agora, chama a atenção: tanto aqui quanto em Jovens Amantes, os dois títulos com maiores ligações com a indústria hospitalar e os únicos, até agora, a abordarem diretamente – com comentários frequentes – a pandemia da COVID-19, porém em nenhum dos dois o assunto ultrapassa a pauta. Quase que de maneira protocolar enfiada às pressas no roteiro (o que obviamente deve ter sido, levando em consideração o restante da produção), ninguém nos filmes comenta sobre contágio, infecção, óbitos nem se portam à defesa da pandemia, que é bom lembrar, NÃO ACABOU. Porque então suas tramas não absorveram o uso de máscaras, ainda que pelos profissionais da saúde? Porque sua presença é quase fantasmagórica, como se fizesse parte de um passado longínquo e superado?
Dito isso, passemos a observação específica de todo o resto a respeito de Golias, embora principalmente aqui mais do que no longa de Carine Tardieu, o assunto me pareça relevante demais para ser tratado como é. Afinal, estamos diante de um título (mais um) onde o título se justifica através da batalha de uma gigante da indústria de pesticidas, que tenta fechar os olhos para as mortes que seu produto causa, fazendo com que inúmeros Davis insurjam contra ela. Um filme repleto de tragédias consideráveis, vistas ou não-vistas, com números que alarmam menos pelo volume, mas muito mais pela gravidade do que representam, e pela mudez que acometem seus casos. Que a pandemia seja comentada de maneira tão pouco representativa graficamente, pra mim, atesta negativamente ao que é narrado.
Independente dessa questão, Frédéric Tellier encena seu grito de revolta com o mesmo pulso dogmático que acometem os títulos dessa fornada longeva, os pequenos soldados contra os grandes exércitos, que já nos renderam títulos de autoria de Martin Ritt, Steven Soderbergh, e recentemente até Todd Haynes. Há componentes de paixão explícitos em demasia, e entende-se muito bem o ímpeto; são casos, aqui não abertamente verídicos, mas que estão à nossa volta, matando e impactando gerações com suas doenças derivadas e seus bebês nascidos com problemas congênitos. Isso tudo motivado pelo único interesse possível de todos, o do lucro muito rápido e muito volumoso, cada vez maior. A diferença do tratamento para as festas adolescentes encampados pelas duas famílias do filme, é a diretriz de como se comporta a rota do dinheiro, da terceirização do afeto versus o amor incondicional e direto.
Não existe muita novidade no que é pensado aqui, enquanto imagem. Câmeras que se marcam como intranquilas, fotografia pontualmente granulada mas frequentemente difusa, cores escuras com alguma constância, conhecemos o protocolo do subgênero. Ao contrário de outras vertentes críticas, considero que a imagem é primordial ao cinema, mas não podemos ignorar a exegese, o roteiro, ainda que hoje seja “moda” desconsiderar a importância de uma construção narrativa em elevação ao pincel do diretor, unicamente. E Golias, que trata de três linhas de organização de ideias que se intercalam, é bastante bem sucedido na introdução e difusão do que está sendo apresentado – a defesa da tese, sua acusação e o agente passivo, ou seja, o réu.
Cada uma dessas linhas de pensamento estão a serviço de explanar o que está sendo discutido, e o fazem com assertividade, amparados por (mais um, tradição do Varilux 2022) trio de atores muito bem concatenado com sua força. Gilles Lellouche (de O Destino de Haffmann), Pierre Niney (de Frantz) e Emmanuelle Bercot (de Meu Rei) são exímios em demonstrar seus pontos de interesse, expôr suas contradições – principalmente Niney, o vilão do filme – e elencar a luz por trás de cada avatar. Capitanearam, enfim, um elenco bastante acima da média, que ainda conta com Jacques Perrin e Laurent Stocker como coadjuvantes de igual potência. Eles só funcionam, no entanto, porque tem a que servir, cabendo ao material como um todo exibir sua força dramática.
Apesar da falta de inventividade (digamos assim) de estarmos diante de mais um filme que se estabelece em bases já tão facilmente reconhecíveis, a força dos movimentos humanos é que transformam algo como Golias. Ok, não estamos falando de um diferencial que ganhe contornos como quando uma Julia Roberts encontra um grande momento na carreira (Erin Brockovich), mas o suficiente para produzir algumas, não uma nem duas, mas alguns momentos de carpintaria acurada, de roteiro, elenco e direção. Foi difícil escolher um momento mais relevante, tendo em vista que o filme produz diversos, mas não podemos deixar de lado o show da Ariana Grande, da explosão de Bercot ao encontrar o ex-patrão ou quando enfrenta o aluno, o encontro de Lellouche com os pais da primeira vítima e seu diálogo poderoso, entre tantos outros. Golias fica com a gente pela forma como aplica tão bem e com naturalidade tantas imperfeições, na obra e nos seus personagens.
Um grande momento
Patrick Fameau e Mathias Rozen, cara a cara