Crítica | Cinema

Todos Menos Você

A fórmula do amor - e do sucesso

(Anyone but You , EUA, AUS, 2023)
Nota  
  • Gênero: Comédia Romântica
  • Direção: Will Gluck
  • Roteiro: Ilana Wolpert, Will Gluck
  • Elenco: Sydney Sweeney, Glen Powell, Alexandra Shipp, Hadley Robinson, GaTa, Rachel Griffiths, Dermot Mulroney, Bryan Brown, Michelle Hurd, Charlee Fraser, Joe Davidson, Darren Barnett
  • Duração: 100 minutos

Hollywood é uma indústria, e como toda empresa que necessita de resultados positivos a seus experimentos, as fórmulas são necessárias para a continuidade do sucesso do que eles entendem como empreendimentos. Toda fórmula chega, em determinado momento, a um processo de esgotamento de suas eficácias junto ao público final; em 2023, vimos o castelo original de arrecadação hoje ruir, e os responsáveis se indagam sobre o futuro (se é que existe um) das adaptações de HQ. Em um passado bem recente, o streaming absorveu o produto familiar de maneira tão absoluta, que as comédias – românticas ou não – se transformaram em fracassos garantidos. Estamos em fevereiro de 2024, e no último mês e meio só se fala em uma coisa nos Estados Unidos da América: o que diabos é Todos Menos Você?

Com certeza escrevi sobre esse tema aqui no site com palavras provavelmente similares, mas a comédia romântica, como todo produto da indústria cinematográfica, não foi criada esse ano, nem teve ocasos anteriormente, alguns bastante duradouros. Aconteceu Naquela Noite, clássico dos clássicos, é um dos criadores de uma marca que carimbou a fama de Marilyn Monroe, Diane Keaton, Goldie Hawn, Molly Ringwald, Meg Ryan, Sandra Bullock e o que talvez seja a minha (nossa?) representante máxima, Julia Roberts. Mais ou menos ancoradas no gênero – e Julia há mais de duas décadas não está – essas mulheres viram o gênero subir e cair, mas nunca morrer. Após o surpreendente sucesso de Ingresso para o Paraíso mais diretamente e de Cidade Perdida mais livremente (e Julia e Sandra voltando a dominar as bilheterias), esse novo Todos Menos Você parece ser o hit mais orgânico a acontecer nesse campo… em muitos anos. 

Como os melhores produtos, Todos Menos Você tem tanto orgulho do que promove quanto o faz com o máximo de tentativa de organicidade possível. O resultado é mostrado a cada semana nas bilheterias mundiais, incluindo a brasileira, onde o filme avança bem fácil para arrecadar 200 milhões de dólares, com um custo de apenas 25. Agora, depois de números, causos e fatos, o que importa a uma análise cinematográfica: esse fenômeno é válido, ou melhor, estamos diante de um programa satisfatório? A resposta: um sonoro sim. Vez por outra, somos acordados para um grupo de pessoas se dando conta de que fazer tudo dar certo é mais fácil do que imaginamos; essa é uma frase que define bem a sessão do filme. Quando percebemos o quão simples é o que está sendo aplicado, e como isso tudo é o suficiente para promover diversão de alta qualidade, nos perguntamos porque não é aplicado com mais frequência. 

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O filme margeia uma das obras mais solares de William Shakespeare, Muito Barulho por Nada, e codifica com muita sagacidade o que hoje em dia poderíamos resumir como um redemoinho de ‘fake news’ românticas que ora ajudam e ora atrapalham um casal que se ama. Lógico, esse é um conceito hoje atrelado a governos autoritários e invasão de espaço pessoal dos mais graves, mas Todos Menos Você tenta ajustar esse conceito aqui. Não há muito o que serpentear para uma ideia que já estava no original, a respeito de uma série de conversas e interditos entre um grupo de personagens que vai moldando a relação entre um casal apaixonado. Nesse sentido, e entendendo que seria uma utilização quase infantil de determinadas cenas, o roteiro de Ilana Wolpert e do diretor Will Gluck transforma tais entrechos em situações que se percebem cômicas e ridículas, mas que não deixam de mostrar sua eficácia enquanto disparador de gatilho narrativo. 

Outra delicadeza que Todos Menos Você aplica em sua construção é entender que, por mais que seu ponto de partida invista em uma relação que já foi consumada, o filme escamoteia suas cenas. Com que finalidade? Para que nossa torcida pelo casal central seja tão alucinante, a ponto do primeiro enlace mostrado entre eles já passar de uma hora de produção e o público já estar indócil para tal. Esse é um aprendizado que também vem dos ‘doramas’ coreanos, que idealizam as relações românticas até o extremo, e assim chegar mais facilmente ao envolvimento do espectador, desesperado pela realização. De qualquer maneira, o filme entende que estamos diante de adultos em situação romântica, e não um casal teen – isso significa que a consumação de sua atração resulta em ato sexual da maneira mais naturalizada possível, e não em filmagens cheias de pudor de seus atores. 

Mais um ponto acertado em torno do título é o de ter entendido o momento absolutamente correto de escalação de seus protagonistas. Igualmente, Sydney Sweeney e Glen Powell estão no ápice de momentos muito parecidos das carreiras. Ela, aos 26 anos e indicada a prêmios por sua participação em Euphoria e White Lotus, terá papel de destaque em um filme de Ron Howard; ele, com 10 anos a mais, era um dos nomes centrais de Top Gun: Maverick e provavelmente estará no alvo das próximas premiações com o protagonista de Richard Linklater em Assassino por Acaso. Ambos terão alguns possíveis blockbusters para esse ano, e também por conta do que Todos Menos Você trouxe, são os nomes mais quentes do cenário hoje. O caso típico de encontro perfeito na hora perfeita. Ah, e um detalhe: eles vertem tudo que tem em cena, em química absoluta. Acreditamos desde sempre na paixão do casal, e a torcida é muito rápida. 

Foram muitos códigos apertados aqui, que vão desde o belíssimo figurino de Amelia Gebler para o filme, da direção de arte muito funcional, até a paisagem diferenciada que é necessária para oxigenar um roteiro – aqui é a Austrália. A cereja do bolo em Todos Menos Você é o grande compromisso que o filme assume com a descontração absoluta em cena. Não cansam de ser servidos momentos engraçados e eles funcionam demais, desde as cenas no avião até o surfista australiano que parece inspirado no Tubarão, passando por um olhar cheio de desconstrução sexual e de personalidades. A sensação é a mesma de comprar o pacote de um biscoito que todos estavam te dizendo ser incrível, você constatar a veracidade da informação, e não conseguir deixar de devorar cada um deles, ao mesmo tempo em que o prazer de cada mordida não esconde a certeza de que toda feitura foi um acerto sem fim. 

PS: e se você, como eu, ama Natasha Bendingfield, ah… esse filme é para você.

Um grande momento

O ‘cookie’

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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