Crítica | Festival

7 Days

Brincando com coisa séria

(7 Days, EUA, 2021)
Nota  
  • Gênero: Comédia
  • Direção: Roshan Sethi
  • Roteiro: Roshan Sethi, Karan Soni
  • Elenco: Karan Soni, Geraldine Viswanathan
  • Duração: 86 minutos

Existem situações na História em que o contexto é tão mais significativo que é difícil aceitar certas permissões artísticas. Vou tomar como exemplo A Vida É Bela, longa de Roberto Benigni que cria ou tenta criar uma fábula em meio ao Holocausto. Adorado por muitos, o filme faz algo que é de extremo mau gosto quando se para e pensa no absurdo de qualquer amenização de situação tão grave e extrema (e eu poderia estar falando de Taika Waititi aqui também, para ficar no mesmo contexto). Bom, algo muito semelhante acontece com o indie fofinho 7 Days que, pelo menos, tem ao seu favor o fato de ter sido realizado antes de as coisas tomarem as proporções que tomaram.

Típico filme de pandemia, o longa foi rodado sem a real noção da devastação mundial que a Covid-19 causaria, mas estreia agora no Festival de Tribeca, com a Índia, nacionalidade de seus personagens, com 29,5 milhões de contaminados e mais de 350 mil mortos pela doença. A imprevisibilidade do vírus e seu comportamento em parte desconhecido por um bom período de tempo seria algo a se colocar na conta, mas nada que se justifique se pensarmos que o diretor e corroteirista Roshan Sethi, é da área de saúde. Ao criar sua comédia romântica dos tempos pandêmicos, ele, que ficou famoso por séries médicas como Code Black e The Resident, e Karan Soni (Deadpool), seu parceiro de roteiro e protagonista, pensaram em aproveitar o inusitado do novo modelo de vida, a revolução nas relações e chegaram a reconhecer os riscos do coronavírus, mas agem de forma bastante leviana.

A história segue a fórmula tradicional de filmes de seu subgênero: colhendo depoimentos de vários casais sobre suas experiências amorosas. O que diferencia 7 Days dos outros exemplares é que ele se trata do retrato de uma cultura muito específica, onde os relacionamentos arranjados, principalmente pela família, ainda são uma realidade. Os protagonistas, Ravi e Rita, são escolhidos por seus pais em um site exclusivo para casamentos de indianos e, no primeiro encontro, são surpreendidos pelo decreto do lockdown. Sem carro para voltar para casa, ele acaba ficando trancado na casa dela, e eles precisam conviver 24 horas por dia, com todas as diferenças e falta de intimidade. De certa maneira, o filme lembra o brasileiro não-pandêmico — que acabou adquirindo essas características pelo momento de seu lançamento — A Nuvem Rosa. Embora este fale do relacionamento intencional, as circunstâncias deram a ele a conotação de involuntário, exatamente como no filme de Sethi.

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A restrição espacial e o apoio nos diálogos faz com que as atuações estejam sempre em primeiro plano e a dupla Soni e Geraldine Viswanathan (Má Educação) tem carisma e apelo para sustentar o filme. Enquanto ela é a que alterna melhor entre o drama e o humor, ele consegue se aproximar com um bom timing cômico. O roteiro também é equilibrado e se perde a mão, é quando abandona a estrutura tradicional para tentar se aproximar do padrão das dramédias mais discursivas estadunidenses, com inserções comuns que poucas vezes são funcionais, como quando ele vai fazer o seu depressivo show de stand-up.

Restrito aos padrões que ele mesmo estabelece para si: da comédia romântica, enquanto subgênero, e do indie, enquanto forma narrativa, 7 Days pode se dizer marcado, ainda que extremamente funcional. Produzido pela Duplass Brothers Productions é um filme que se enquadra naquilo que estamos acostumados a ver lançado pelo selo, longos diálogos pontuados por um humor que em algum momento se transformará em drama. E é então que o título chega ao ponto que suscita todo o debate ético. Evitando spoilers, por mais que exista uma motivação, é possível que o ponto de virada do longa não gere uma ruptura com os personagens e com o próprio filme? 

Obviamente que ser uma espectadora que mora em um dos epicentros da doença, em um país onde o governante despreza qualquer risco, prega contra todos os dispositivos de controle e combate e opta pela morte da população, causa ainda mais estragos ao filme, mas a Covid-19 é uma pandemia, não restrita ao Brasil, então o incômodo com a leviandade, assim como os efeitos do vírus, é universal. Ao tratar de um tema tão delicado, quando usa elementos da realidade para impulsionar a trama, é importante que se aja com responsabilidade. Uma responsabilidade que falta a 7 Dias, pela gravidade do ato em si, pela romantização do mesmo e pelo que isso significa hoje ao mundo.

Um grande momento
Ouvindo atrás da porta

[2021 Tribeca Film Festival]

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Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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