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Jesus Kid

O Brasil é uma ficção

(Jesus Kid, BRA, 2020)
Nota  
  • Gênero: Comédia
  • Direção: Aly Muritiba
  • Roteiro: Aly Muritiba
  • Elenco: Paulo Miklos, Sergio Marone, Maureen Miranda
  • Duração: 88 minutos

Existe um Brasil real explicitado em Jesus Kid, o novo filme de Aly Muritiba na competição do Festival de Gramado. Não é exatamente o Brasil que temos contato e conhecemos, o Brasil da COVID-19, o Brasil do golpe, mas é o Brasil possível dentro de um quadro de “ficção”, que comprime a realidade em um recorte fantástico. O que nasce da visão conjunta desse país de mentirinha é uma ferramenta falha sobre metalinguagem política, uma versão “boneca russa” de homenagem ao cinema – um debate dentro de outro, dentro de outro, dentro de outro. Se a estrutura é curiosa e sedutora, sua realização não consegue expandir os desdobramentos e criar vida para além desse jogo.

Aly Muritiba venceu Gramado há pouco tempo com Ferrugem, e aqui mais uma vez acrescenta novo tijolo à sua filmografia diversificada, mas que vêm tentando construir um olhar múltiplo para questões prementes da nação – aqui, a própria em modelo metafórico. Através da prosa de Lourenço Mutarelli, ele fala sobre a construção de poder em duas esferas disparatadas, a arte e a governabilidade, ambas propensas a algum tipo de corrupção, ambas adoecidas e precisando de uma luz no fim do túnel. O filme as enxerga pelo viés do lúdico, criando uma terceira via capaz de sangrar e de imaginar.

Jesus Kid
Olhar Distribuição

É a praia de Mutarelli, que rememora sobre arte, sobre crime e sobre humanos marginais desde sempre; nada mais comum que unisse em seu catálogo também a política em um jogo metalinguístico de fácil compreensão, na verdade o filme caminha no limite entre farsa e a obviedade, olhando para ambas com igual interesse. O roteiro não pisca para o espectador, ele o soca na cara para remeter ao nosso universo atual – palavras e nomes comuns ao vocabulário atual do país são repetidas, seu retrato imagético é agudo como poucas vezes uma sátira foi, saindo do lugar do humor para o da reiteração.

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A insistente rememoração de Barton Fink, Palma de Ouro de 30 anos atrás dos irmãos Coen, deixa claro não apenas a admiração pela obra, como uma tentativa deliberada de reler aqueles signos tão particulares em roupagem tupiniquim, e a fruição natural desses elementos acaba soando distante. Muritiba não dá espaço para sua criação respirar enchendo-a de um Brasil que estamos fadados a reencontrar no jornal de amanhã, muito mais grave e triste. Com isso, perde crédito também com a fabulação do espectador, que não consegue se descolar do que é mostrado para um universo particular.

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Paulo Miklos, ator titânico de muitos recursos, não parece à vontade para criar um olhar pra chamar de seu, parecendo refém de um lugar estratégico da direção. Sergio Marone, ator que poucas vezes deixou a seara televisiva, aqui também produz e está em lugar mais confortável. O grande nome de Jesus Kid na verdade é do de Maureen Miranda (de Lamento), jovem atriz que merece ser notada e que aqui tem um lugar de respiro dentro de um ambiente de constante representação pesada. Sua presença rejuvenesce um projeto repleto de representações de estereótipos, que nascem de um modelo clichê que é ambicionado, mas que é um feiticeiro virando contra o feiticeiro – na ânsia de denunciar um registro, o filme torna-se tal registro.

É lógico que é possível se divertir assistindo Jesus Kid, um filme de comunicação fácil entre a cinefilia, com suas referências e citações, com a ideia de elaborar um contexto que una a política empreendida dentro da arte. Mas o globo de neve que Muritiba construiu sua parábola prende demais sua atmosfera, seus personagens e tudo que poderia ser uma histérica análise do nosso hoje, acaba conseguindo pouca mobilidade para que sua história seja reverberada para longe das imagens, que aprisiona suas intenções. Talvez por isso a cena final soe tão refrescante e marcante.

Um grande momento
O tiroteio no quarto

[49º Festival de Cinema de Gramado]

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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