- Gênero: Drama
- Direção: Paul Thomas Anderson
- Roteiro: Paul Thomas Anderson
- Elenco: Alana Heim, Cooper Hoffman, Sean Penn, Tom Waits, Bradley Cooper, Benny Safdie, Joseph Cross, Christine Ebersole, Mary Elizabeth Ellis, Skyler Gisondo, Harriet Sansom Harris, John Michael Higgins, John C. Reilly, Maya Rudolph
- Duração: 133 minutos
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As luzes se apagam e, de repente, você está na ensolarada San Fernando Valley do início dos anos 1970. Pode parecer exagerado falar, ou soar como uma declaração de fã, mas bastam poucos segundos para que Paul Thomas Anderson envolva quem assiste a seus filmes. O jeito como entrega os primeiros elementos, na execução de elaborações minuciosas, fazendo com que o outro sinta aquilo que ele sentiu ao imaginar, escutar ou viver algo, é inescapável. E lá estamos nós mais uma vez onde ele deseja, agora, no vale, longe da indústria pornô que deu fama ao local, imersos nas cores e ansiedade juvenis, e sem perder de vista a agitação da indústria do entretenimento. É ali que Alana e Gary se conhecem de maneira inusitada, numa fila de fotos para esses livros de formatura. Ela, a mulher que trabalha para o estúdio, ele, o aluno adolescente impertinente que quer ter um encontro. Da conversa surreal e descabida, surge a ponta da linha para PTA desenrolar o novelo complexo, emocionante e delicado que é Licorice Pizza.
Baseado naquilo que viu por aí e nas histórias que ouviu do produtor e ex-ator mirim Gary Goetzman sobre sua vida, o diretor ficcionaliza relatos e se entrega para a nostalgia em um filme muito pessoal. Meticuloso como sempre, até a intimidade é calculada, ainda que natural, uma vez que ele faz do set uma extensão de sua vida. Ali estão sua esposa Maya Rudolph, e seus filhos; toda a banda HAIM, não só as meninas, Alana, Este e Danielle, mas os pais delas também, uma relação que vem de anos; Cooper Hoffman, filho de seu saudoso grande amigo e parceiro Philip Seymour Hoffman, e um monte de outros conhecidos de longa data. Ao lado desses núcleos, sua “outra casa” vem com representações de ícones reais com nomes trocados ou não, em eventos reais ou quase. A história principal, da conexão inegável e da paixão impossível de um casal, junta tudo isso e dá interpretações diferentes para sentimentos como frustração, deslumbre e aceitação.
Mas a que mais me chama atenção é aquela que ultrapassa o tempo e estava lá nos 1970, antes deles, mas é tão presente, talvez até mais hoje, embora deva-se sempre lembrar que a lente do presente aumenta tudo. De um lado, alguém que pulou etapas, de outro alguém que está paralisado. A dinâmica Alana e Gary pode ser olhada sob o prisma literal, e vai chocar nos dias atuais, mesmo que se saiba que conta a história de um outro tempo. É chocante mesmo. E até eles, lá incrustados em sua época, sabem disso. Se evitam, buscam novos caminhos, deixam clara a consciência. Licorice Pizza com todos os desejos e sentimentos vai além, busca a identificação e o encontro, quer entender porque a história não acabou naquela fila de meninos e meninas cheio de espinhas e hormônios com cabelos estranhos. Há um reconhecimento do que “amadureceu” cedo demais e da que “não amadureceu”.
A pizza de alcaçuz — o nome vem de uma loja de discos que marcou a juventude do cineasta nessa Califórnia tão representada no filme — fala dessa humanidade marcada por pessoas que querem corresponder ao que a sociedade espera delas. Gary é uma criança que tem uma vida que não é como a dos outros da sua idade, que, com a fama que conquistou cedo demais por suas participações em programas de TV e pelos contatos da mãe, frequenta lugares que são de adultos e brinca de empreender; já Alana, em sua solidão acompanhada, na ânsia de corresponder às expectativas dos outros, tenta se encaixar a padrões, mas não encontrou o seu lugar e, estagnada sob regras e julgamentos, não sabe como se mover. É o encontro que faz com que se enxerguem e se movimentem.
Com interpretações muito marcantes de Alana Haim e Cooper Hoffman nos papéis principais, muito além de suas inadequações etárias, estão os desejos e anseios que os igualam e as pulsões que os diferenciam, como o deslumbre dela com tudo aquilo que acaba de conhecer e a impetuosidade dele. Há um jogo de ações e reações que se estabelece, numa relação curiosa onde as personalidades vão se confundindo a todo instante.
Diferente dos coming of age tradicionais, alternando entre ação e reflexão, ainda podemos afinar mais o entendimento e fazer com o que se vê leve a outras possibilidades. De um lado estão os sonhos e os impulsos de uma idade e de outro a estagnação e as barreiras de outra. Metaforicamente representadas em um duo podem ser um uno, que se reconhece, se atrapalha, mas se reencontra, em uma das sequências mais belas e mais bem montadas do ano passado. Em Licorice Pizza, o vale é o ser humano entre todas as coisas da vida. Indo além de toda a qualidade técnica e estética, do envolvimento e da capacidade de nos ambientar, é nessa profundidade que Paul Tomas Anderson faz a diferença.
Um grande momento
Correndo