Crítica | Streaming e VoDCríticas

Leo

O poder da comunicação

(Leo, EUA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Animação
  • Direção: Robert Marianetti, Robert Smigel, David Watchenheim
  • Roteiro: Robert Smigel, Adam Sandler, Paul Sado
  • Duração: 95 minutos

Muito se fala das animações de hoje, principalmente as da Pixar, que ganharam um contorno próprio para adultos, esquecendo que seu público primordial estava sendo desconsiderado. Mas onde foi declarado que uma animação é um tipo de audácia cinematográfica disposta exclusivamente a crianças? Ainda que isso nunca tenha sido declarado, por muito tempo convencionou-se acreditar nesse ‘acordo tácito’, e que as animações modernas e prestigiosas estariam quebrando essa ideia. Por isso é tão recompensador que algo como Leo seja lançado, e destinado a quem é. A Netflix, na contramão, entrega um produto extremamente infantil não apenas no público e nos personagens, mas acobertando uma mensagem quase que exclusivamente a eles. 

Para os adultos, é interessante acompanhar uma produção fora do ‘live action’ que também elabore reflexões a respeito da passagem do tempo, e quem me conhece sabe como essa ideia é cara para mim, especificamente. Leo, o protagonista, é um lagarto que descobre ter 75 anos, e que com isso estaria prestes a morrer a qualquer momento. O que lhe bate de imediato é a certeza de ter vivido uma existência inteira sem se descolar do que, para ele, não passa de trabalho: o aquário escolar onde vive, e as crianças para qual transmite algo de si. O desejo de viver as próprias escolhas, e de livrar-se de obrigações que lhe tolhem há anos, é inerente ao humano, e Leo vai mostrar que lagartos (e tartarugas) também podem querer algo mais da vida. 

Apesar de parecer inacessível, ou ao menos avançado demais para os pequenos, Leo não tem essa como sua principal lição, digamos. Esse é um pano de fundo para o papel da comunicação na formação dos seres, e essa é a mensagem principal que o filme grava. O protagonista sendo um lagarto falante que já viveu tanto, e já tem tanta intimidade com os pré-adolescentes que acompanhou ao longo da vida, passa a agir como uma espécie de conselheiro dos pequenos. Ao ouvir o que eles estão a dizer, acolher suas dores e suas inseguranças, e tentar se aproximar de seu universo com uma fala de encorajamento, Leo torna-se tudo o que jovens cabecinhas gostariam de ter, uma espécie de irmão mais velho com idade de ser avô. 

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Desse jeito, a produção não apenas mostra a importância de se abrir, ter amigos e criar um ambiente amigável com o que você mesmo tem a oferecer, como também exalta o papel do educador. Como já dito, Leo se passa em ambiente escolar, e a interação do personagem também é com os professores que atendem essas crianças. O personagem-título, na falta de um guia momentâneo, acaba assumindo essa função também, que a professora em ocasião não faz questão de aplicar. Com isso, também há uma área educativa a ser tocada na produção, que também observa a saudável relação entre alunos e mestres, e como isso pode mudar a vida de um jovem. Como podem ver, a Netflix acabou inclusive promovendo um filme que pode ser usado em sala de aula, em sua complexidade e psicologia. 

Projeto tocado pela produtora de Adam Sandler, roteirizado por ele e com o ator dublando o lagarto, Leo tem aqui e ali alguma picardia ‘censura livre’. Contracenando com o igualmente linguarudo Bill Burr como o amigo tartaruga, Sandler criou uma voz de senhorzinho para o personagem, que mostra sua versatilidade para quem diz que ele não o tem. O filme é mais uma tentativa do ator em adentrar o mundo infanto-juvenil, após o bem sucedido Você Não Tá Convidada pro meu Bat Mitzvá!, e que transcende o olhar mais uma vez que estamos lançando para ele. Após amadurecer artisticamente com Joias Brutas, Sandler parece ter entendido, após os 50, que pode estar onde ele quiser, e está atirando para muitos lados, e os alvos têm conseguido ser acertados. 

Com essa animação fofa e cheia de intenções, o ator avança mais algumas casas para deixar de ser visto de vez como o canastrão sem conserto de duas décadas atrás. Surge como um produtor, escritor e ator cada vez mais interessante, com projetos arriscados e surpresas muito agradáveis, como Leo. Não vejo a hora de entender o que está se passando pela sua cabeça no próximo round… ou não entender, e apenas acompanhar esse ser mutante que nem imaginávamos existir dentro dele. 

Um grande momento

‘When I was 10’

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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