- Gênero: Drama
- Direção: Rikiya Imaizumi
- Roteiro: Rikiya Imaizumi, Kaori Sawai, Hiroyuki Yasuda
- Elenco: Kasumi Arimura, Hana Toyoshima, Tetta Shimada, Van, Lily Franky, Itsuki Nagasawa, Toshie Negishi, Keiichi Suzuki
- Duração: 128 minutos
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Sempre o cinema japonês a nos lembrar como a gentileza pode fazer toda a diferença, não apenas entre os homens, como ainda mais entre os filmes. Em tempos de grosserias estéticas indesculpáveis, como as de Triângulo da Tristeza, um filme como Meu Nome é Chihiro se sagra como um bicho estranho, principalmente dentro da Netflix. Precisamos de animais fantásticos como esse às vezes, ou sempre, a nos acordar para uma realidade que está na narrativa, mas que vai além dela. É o tempo de um filme que nos obriga a mergulhar no seu pedido de imersão – não importa se é um supersônico como Top Gun: Maverick ou cinema de fluxo como Memória, quem decide é a obra e o que seu realizador compreende de tal, como se dedica ao que se pede.
Assinado por Rikiya Imaizumi, que em 13 anos de carreira entregou DEZOITO filmes, Meu Nome é Chihiro é, como os grandes filmes, despreocupado com outra coisa que não seja sua particular contação. Demoramos a perceber que estamos diante de um tratado sobre a fabulação, mas não aquela mais direta e conhecida, que encanta e compreende o espírito do cinema, e sim aquela menos explícita, e que não foi concebida para ser revelada. Ainda assim, sua personagem-título é tão devota do ser humano, que é impossível encontrá-la sem que esteja enfim debruçada sobre uma vontade sincera de tornar-se empática a qualquer história que a alcance. Sua necessidade de transformar o outro é fruto de uma estrutura que não é facilmente revelada, mas que escancara sua característica mais fundamental.
É um mergulho pessoal que revela quem circula Chihiro, para assim revelar mais sobre a própria. Sua realidade afeta a vida de um sem número de pessoas (mais precisamente outras três), mas que conecta tantos universos, cuja centelha sua injeta vida. Não tem a ver com apegar-se ou demonstrar uma nova proposta de vivência, mas de ouvir e se deixar arrebatar por algo tão genuíno; querer bem, puro e simples. Como é uma produção da terra de Yasujiro Ozu, o detalhe não dispensado, a minúcia pouco percebida, abraçar um gato no meio da rua – literalmente – por exemplo, é uma maneira de conexão com o espectador. Com isso, Imaizumi presta suas homenagens, como a Edward Yang, Hong Sang-Soo e ao próprio Ozu, sem jamais tentar igualar-se a esses mestres orientais, mas compreendendo a força de uma região do mundo cujo cinema atende ao próximo, em todos os sentidos.
A simbologia de cada plano é expressar para si o interior de uma personagem que não se revela, a não ser pelo que dedica ao alheio. Chihiro não está ali por si, mas justamente para afundar-se e poder não estar. O desejo de sua protagonista é não protagonizar nada, e ser uma ponte entre o que se sente e o que se pode legar a alguém. Meu Nome é Chihiro trata da forma mais independente do altruísmo, aquele que não guarda qualquer sintoma de seus feitos, apenas deixa que o tempo os floresça no que nunca lhe pertenceu. É também uma aula sobre desapego como poucas pessoas (e filmes) costumam conseguir atender, ao diminuir suas próprias mazelas em nome da realização do coletivo. E quando conseguir seus intentos, como uma fada, partir.
Uma pena que as ambições de Meu Nome é Chihiro (que, ok, são específicas, esteticamente) o façam desandar no conjunto geral. Isso porque as mais de duas horas de duração não são capazes de dar conta de tanto material apresentado, tantos personagens e tanta necessidade de maior desenvolvimento. Ainda que uma coisa ou outra pudesse ficar pelo caminho, o injustificado é praticamente todas as histórias terem lacunas incômodas, e despropositadas. Não era esperado um resultado ou desfecho ou mesmo sintoma compreendido em cada uma das passagens, mas a proposta parece mais com um abandono, no fim das contas. Como se tudo que a personagem tivesse feito ao seu semelhante só fosse capaz de ser sustentado diante da presença dela; longe dela, tanto faz.
Quando olhamos somente para Chihiro, a obra consegue reverter suas ausências e se firmar com essa decisão, de radiografar mais trocas e menos indivíduos. Perde-se na criação dos seres, para construir mais precisamente um aspecto mais dedicado aos sentimentos, às ações e ao interior dos fatos. A condução de Imaizumi contribuiu para a apreciação do gesto e dos significados oriundos deles, para fazer a voz brilhar mais que o interlocutor. O resultado pode não ser redondo o tempo todo, mas transforma Meu Nome é Chihiro em uma experiência sui generis, de conhecer alguém muito mais pelo que se fez do que pelo que se é… mas, não somos o resultado quase exato daquilo que fazemos?
Um grande momento
Chihiro abraça o gato na rua