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Morte no Nilo

Não é, mas lembra

(Death on the Nile, GBR, EUA, 2022)
Nota  
  • Gênero: Suspense
  • Direção: Kenneth Branagh
  • Roteiro: Michael Green
  • Elenco: Kenneth Branagh, Gal Gadot, Armie Hammer, Emma Mackey, Annette Bening, Tom Bateman, Ali Fazal, Russell Brand, Sophie Okonedo, Letitia Wright, Dawn French
  • Duração: 127 minutos

Voltar aos livros Agatha Christie é sempre uma delícia. Seu jeito único de escrever e o modo como elaborava suas tramas cheias de personagens, deixando pistas pelo caminho, e acompanhando de perto as descobertas de pessoas como Parker Pyne, Ariadne Oliver ou os mais conhecidos Jane Marple e Hercule Poirot aguçavam a curiosidade e o instinto de investigação dentro de cada um dos leitores. Suas palavras despertam um magnetismo ímpar e lê-la, hoje, é voltar aos textos de quem nos ensinou a gostar de um certo tipo de literatura, voltar a um lugar onde gostamos de estar. Não à toa é um dos principais nomes do romance policial, a mulher que mais vendeu livros na história, ou pessoa, ficando atrás apenas de Shakespeare e da Bíblia, e segue sendo referência e influência para tantos ao redor do mundo, não apenas na literatura. Adaptações de suas obras são muitas no cinema e na televisão e que ousadia é fazer isso, mas corajosos não faltam. Kenneth Branagh é um deles. Mesmo depois de um atrapalhado Assassinato no Expresso Oriente, insistiu na causa e lança agora nos cinema Morte no Nilo.

O diretor e ator, que traz na bagagem uma história de dedicação ao bardo com muitas encenações de suas peças e algumas adaptações cinematográficas, sabia que ficara devendo à Rainha do Crime. Precisava, então, desfazer a má impressão deixada e buscar a diversão não entregue no filme anterior. Bom, aqui ele se dedicou bastante para provar que podia assumir os romances da escritora e o célebre Poirot, personagem que volta a interpretar. Foi além da superação da baixa expectativa que já o ajudava antes de qualquer coisa, fez cinema, criou clima e entreteu, mesmo que não tenha sido nada tão espetacular assim. Mas são avanços que levam a um lugar interessante, talvez ainda mais para aqueles que não conhecem a história.

Morte no Nilo
Twentieth Century Fox Film Corporation

Morte no Nilo nos chama para dentro do filme de um jeito certeiro. Branagh tem as ferramentas e sabe usá-las. Ele aposta alto para garantir que todos queiram estar ali. Primeiro, a guerra. Um longo plano-sequência inicia o prólogo em preto e branco que apresenta Poirot. Depois, o desejo. Jogando com a música, cores e coreografia, conhecemos os personagens. Com a atenção conquistada, ele parte para o enredo, a história em si e deixa com o clássico, ou quase. O roteirista Michael Green, que também foi quem assinou O Assassinato no Expresso Oriente, mantém muito da estrutura original do texto, mas faz algumas alterações, buscando temas ou mesmo criando linhas narrativas independentes para possibilitar novas conexões entre personagens. O importante é que, diferente da experiência anterior, aqui consegue manter uma unidade.

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A produção segue o mesmo padrão grandioso de Assassinato: com todo o apuro e dedicação na ambientação, com desenho de produção, cenários, figurinos, maquiagem e cabelos incríveis, e o complexo quebra-cabeça de muitas peças da edição de Úna Ní Dhonghaíle, montadora que esteve ao lado de Branagh em A Pura Verdade e fez um trabalho impressionante na autobiografia que conta a infância do cineasta na Belfast em conflito. Aliás, muitas das colaborações vêm desses dois últimos trabalhos do norte-irlandês, como o diretor de fotografia cipriota Haris Zambarloukos que entendeu as muitas variações que o realizador quer imprimir ao filme, seja na demonstração de suas habilidades cinematográficas, aquelas que validam a experiência desde o prólogo, como nas que trazem o espectador para o ambiente dos fatos, passando pela manipulação de sentimentos. Sobram lentes, ângulos e movimentos aqui e ali, mas nada que outros elementos e a própria história deem conta de resolver. 

Morte no Nilo
Twentieth Century Fox Film Corporation

Há ainda um elenco de primeira, com nomes como Annette Benning (Minhas Mães e Meu Pai), Letitia Wright (Pantera Negra), Rose Leslie (Game of Thrones), Emma MacKey (Sex Education), Armie Hammer (Me Chame pelo seu Nome), Jennifer Saunders (Absolutamente Famosas), Sophia Okonedo (Hotel Ruanda) e Russell Brand (Ressaca de Amor), além da bela, porém muito mais fraca Gal Gadot (Mulher Maravilha). Tudo junto faz com que o público se sinta interessado na trama e, assim como nos livros, queira chegar à solução do mistério, fazendo um esforço além do de Poirot para juntar as pistas que ele tenha deixado passar pelo caminho, algumas bem óbvias, outras nem tanto, e se perder em falsas direções também. É quando se reconhece o acerto de Morte no Nilo: na liberdade que dá a quem o assiste para também construir suas teorias, ainda que elas sejam limitadas.

Ainda não é Agatha Christie daquele jeito e com todo aquele sentimento, mas tem um gostinho de. E agrada aos olhos e aos ouvidos. Mais interessado em divertir, consciente do número de personagens e situações, e reverente à obra que adapta, é um bom passatempo para quem gosta de filmes de detetive.

Um grande momento
O prólogo

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Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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