(Nimic, ALE, EUA, GBR, 2019)
Entrar nos universos de Yorgos Lanthimos (A Favorita) é como comprar uma passagem sem saber para onde se está indo. O diretor grego, em suas muita alegorias, busca sempre encontrar um ponto de desequilíbrio, o estranhamento, mesmo que parta das configurações mais banais e conhecidas. Em Nimic, que quer dizer nada em romeno, isso acontece com um violoncelista que encontra uma mulher esquisita no metrô e vê sua vida transformada.
O primeiro contato com o protagonista, vivido por Matt Dillon, está neste trivial. Um homem que acorda e de pronto demonstra uma espécie de insatisfação com a própria vida. As palavras não são necessárias para que se identifique isso e esse é um dos pontos positivos na composição do filme, a crença de que imagens, sozinhas, são capazes de estabelecer a narrativa.
O filme segue sem diálogos o cotidiano, até a frase que vai transformar tudo e trazer o estranhamento tão presente no cinema do grego. A construção imagética é simples, mas não abre mão de marcas registradas, como a grande angular que expõe os momentos de maior tensão. A trilha musical segue uma das marcas que definem o protagonista e expõem o que seria a realidade dos fatos.
Tudo é muito surreal e ilógico, um caldo entre experiências e mitos. Se Lanthimos gosta de negar a influência destes nas obras, algo internalizado no próprio diretor não deixa de fazer com que ela apareça. Em Nimic é como se Morfeu – o deus do sono, aquele que assume a forma de qualquer pessoa – e Ania – a daemone das dores psicológicas – se juntassem em uma Doppelgänger, apresentada em sua versão modernizada, sem transmutação física visível, pelo menos para quem assiste ao filme, e influência óbvia.
Mais do que essa busca por figuras, Nimic é uma grande metáfora ao cansaço que leva ao fim. Por um lado causa vazio e por outro a repetição. A usurpação mímica seria apenas uma maneira de enxergar esse momento, mas uma maneira que leva a outras possibilidades. E tudo é bem pontuado, seja no uso das cores e nas situações, como os pouco mais de quatro minutos para preparar o ovo perfeito ou o olhar das crianças para o pai.
Em toda sua estranheza, Lanthimos é um diretor habilidoso na criação de traços humanos. Voltando – consciente ou inconscientemente – a velhas histórias, adaptando outras e criando as suas próprias, ele mistura possibilidades e cria um caldo curioso de significados. Porém, é preciso aceitar o mergulho no universo que ele cria e ir além da superfície, permitindo uma visão além da figurativa, porque essa não vai fazer sentido nenhum.
Um grande momento
O concerto