Crítica | Streaming e VoD

A Última Coisa Que Ele Queria

(The Last Thing He Wanted, EUA, 2020)
Drama
Direção: Dee Rees
Elenco: Anne Hathaway, Ben Affleck, Rosie Perez, Willem Dafoe, Edi Gathegi, Mel Rodriguez, Onata Aprile, Toby Jones, Carlos Leal, Ben Chase, Julian Gamble, Robert Sedgwick, Bill Kelly, David Vadim
Roteiro: Joan Didion (romance), Marco Villalobos, Dee Rees
Duração: 115 min.
Nota: 1 ★☆☆☆☆☆☆☆☆☆

A Última Coisa Que Ele Queria

Quem não gosta de uma boa trama de espionagem e intriga internacional?

Como não se empolgar com um thriller estrelado por Anne Hathaway (Os Miseráveis), dirigido e roteirizado por Dee Rees a partir da obra de Joan Didion, uma das papisas do jornalismo literário?

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Eis que duas horas depois de conferir A Última Coisa Que Ele Queria, disponível na Netflix após estrear no Festival de Sundance, a última coisa que se quer é realmente falar ou produzir qualquer tipo de texto sobre o filme. Onde deveria haver tensão e mistério só há confusão, numa narrativa completamente previsível e ao mesmo tempo nada plausível. A grande questão que o filme realmente deixa é: como pode ter dado tão errado?

Dee Rees é uma cineasta negra, jovem e com grande talento aparente desde o seu debut, Pariah. Com Mudbound: Lágrimas sobre o Mississipi, épico sobre segregação racial e guerra, obteve algumas indicações ao Oscar e reconhecimento. Agora que seria a vez de firmar seu nome, um trem desgovernado na forma desse A Última Coisa Que Ele Queria a atropela de maneira ruidosa.

O romance de Didion parte das próprias memórias da repórter para costurar os dilemas de mais uma heroína tipicamente sua, desgastada, obcecada pelo trabalho, idealista e com os nervos à flor da pele (ou a beira de um ataque). Hathaway parece desconfortável demais nessa pele, não conseguindo passar profundidade nem a urgência necessária ao interpretar uma repórter que sofre por estar alijada da convivência com a filha ao mesmo tempo em que se ressente do pai ausente, afogando suas frustrações em seu ofício.

“Ela tem uma vida meticulosamente controlada e bem dirigida. Um emprego como repórter de política do Wasghinton Post a faz circular nos altos escalões do poder, e o casamento com um figurão de Hollywood a coloca nas mesas mais milionárias e fúteis da Califórnia, até que ela tem que acertar as contas com o passado na figura paterna” – essa é a sinopse do livro de Didion, livremente ‘adaptada’ por Dee Rees. Ela opta por uma narrativa linear que não combina com filmes desse gênero, telegrafando flashbacks para tentar empregar algum senso de adrenalina à trama.

Elena, a repórter vivida por Hathaway tem como grande parceria a fotógrafa vivida por Rosie Perez (atriz do grande clássico de Spike Lee Faça a Coisa Certa) e faz coberturas por países da América Latina que sofrem com a intervenção norte-americana em seus governos. De súbito, ela começa a se envolver numa conspiração na Nicarágua e volta e meia cruza com a ‘eminência parda’ na forma de Ben Affleck (Argo) – super canastrão aqui – que vive um agente de governo, talvez da CIA.

Eles se envolvem (logicamente) e ela jura que ele vai ajudá-la a sair da enrascada na qual se meteu por não só querer dar uma de salvadora dos rebeldes como assumir o posto do pai – vivido por Willem Dafoe (O Farol), que realmente deve ter aceitado o papel apenas para pagar umas contas – contrabandeado armas. Ininteligível exatamente como esse relato do andamento da história, o filme se joga nos lugares comuns e clichês, apelando até para a voz off da repórter morta quando a amiga fotógrafa termina de redigir o texto que implicará o governo norte-americano ao custo da vida da desgrenhada repórter que sabia demais.

Patético. Triste constatar tamanho desperdício de talentos (especialmente os) femininos nessa produção hollywoodiana. Quem sabe a produtora ou mesmo cineastas da estirpe de Dee Rees, quando forem se aventurar em gêneros que não conhecem bem, não dominem as convenções demarcadas pelos bons filmes de espionagem, de séries como 007, ou tenham o desafio de adaptar obras que exigem uma maior expertise, que façam um laboratório ou contratem uma Susanne Bier da vida. A cineasta dinamarquesa dirigiu uma série incrível a partir da obra daquele que seria o maior escritor sobre tramas de espionagem na guerra fria e no mundo moderno, John Le Carré. Olivia Colman (A Favorita) dá show e O Gerente Noturno está disponível na Amazon Prime Video. Optem por esse outro streaming e essa série e não gastem duas horas em um filme tão sofrível como A Última Coisa Que Ele Queria.

Um Grande Momento:
Elena divagando no mar.

Links

IMDb

Assistir na Netflix

Lorenna Montenegro

Lorenna Montenegro é crítica de cinema, roteirista, jornalista cultural e produtora de conteúdo. É uma Elvira, o Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema e membro da Associação de Críticos de Cinema do Pará (ACCPA). Cursou Produção Audiovisual e ministra oficinas e cursos sobre crítica, história e estética do cinema.
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