Crítica | Festival

O Cangaceiro da Moviola

Mas tinha Dadá

(O Cangaceiro da Moviola, BRA, 2022)
Nota  
  • Gênero: Documentário
  • Direção: Luís Rocha Melo
  • Roteiro: Luís Rocha Melo
  • Duração: 95 minutos

A moviola. O recorte. A junção. E a solução. Um elemento que se funde em cena coroando a personagem. Ali está Severino Dadá, montador de grandes filmes brasileiros como Tenda dos Milagres, Nem Tudo É Verdade e Corisco e Dadá. Conhecer Dadá vai além do saber mais sobre a vida deste homem, é conhecer mais a história do cinema nacional, e de universo que nem sempre recebe atenção, pois vai além dos títulos e daquela linha de frente sempre tão visibilizada, buscando a maquinaria da sétima arte, com seus tantos técnicos igualmente realizadores. Dirigido por Luís Rocha Melo, o documentário O Cangaceiro da Moviola, que tira o nome justamente do modo como Dadá ficou conhecido, dá essa oportunidade.

O filme faz o caminho que esperamos dele e apresenta seu luminoso e envolvente personagem. Dadá é uma figura carismática e com uma história cheia de particularidades que a engrandecem. Em muito do tempo, o individual encontra o todo. Pedra, sua cidade natal, é Pernambuco, Nordeste é Brasil. Em tela, surgem resgates de arquivo de figuras como Miguel Arraes e lembranças da pobreza e das discrepâncias do classismo que assolaram e ainda assolam o Brasil.

Nessa base pessoal e política, se fortalece o ser criativo, o artista Dadá. A moviola se torna uma presença mais constante a partir daí e outras histórias vão se construindo com depoimentos, resgates de momentos passados e trechos de filmes montados por ele. Descobrimos a origem do nome, os primeiros passos e as narrativas que ganharam cadência e estrutura em sua mesa vão ilustrando as passagens, de O Amuleto de Ogum a A Nave do Mané Socó, de sua própria autoria.

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O Cangaceiro da Moviola
Cortesia Festival de Brasília

Descobrimos também o agente político do audiovisual. O Cangaceiro da Moviola olha para alguém que viveu o cinema brasileiro intensamente, da terceira onda do Cinema Novo à pornochanchada, das crises da Embrafilme ao desmonte completo pelo governo Collor — naquele ano, com um número ínfimo de filmes produzidos, um deles montado por Dadá na sala da casa do diretor Rosemberg Cariry — e, chegando ao ápice depois da retomada.

Há momentos interessantes, como o que resgata o famoso Beco, espaço físico frequentado por montadores, diretores de fotografia, atores coadjuvantes e técnicos à procura de trabalho, o que mais tarde viraria até uma espécie de associação, e daria em filme. Nessa exposição do indivíduo, de sua habilidade e do amor que tem pela arte e pelo ofício, sua influência e carisma, e a ausência de barreiras entre o pessoal e o coletivo, como histórias que se complementam e até possibilitam, o documentário consegue se estabelecer muito bem.

Porém, falta a O Cangaceiro da Moviola aquilo que mais se deveria observar, visto de quem se fala, montagem. Embora recheado de bons elementos, com depoimentos emocionantes e passagens curiosas, não há muito equilíbrio e às vezes até coerência na distribuição desse material. Idas e vindas tendem a tornar o filme repetitivo e, por vezes, menos fluido do que poderia ser. Momentos como o de encontrar um diretor que desafia a lógica narrativa estabelecida como Sganzerla e até o uso de alguns cortes marcantes de filmes como Corisco e Dadá não são tão impactantes pela posição e pelas inserções intercaladas, respectivamente.

Mas ainda assim mantêm a sua força, e o mesmo pode ser dito de todo o documentário que, apesar de suas opções, com seu belíssimo personagem, segue cativante.

Um grande momento
Lajedão

[55º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro]

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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