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O Fim da Viagem, o Começo de Tudo

(Tabi no Owari Sekai no Hajimari, JAP/UZB/QAT, 2019)
Drama
Direção: Kiyoshi Kurosawa
Elenco: Atsuko Maeda, Tokio Emoto, Ryo Kase, Shôta Sometani, Adiz Rajabov
Roteiro: Kiyoshi Kurosawa
Duração: 120 min.
Nota: 6 ★★★★★★☆☆☆☆

A jornada de autodescoberta de alguém que não está lá. É mais ou menos assim que se percebe o novo longa-metragem do diretor japonês Kiyoshi Kurosawa, O Fim da Viagem, o Começo de Tudo. Nele, a jovem Yoko explora o Uzbequistão para um programa televisivo. É possível reconhecer nela trejeitos comuns aos dias de hoje, quando as mídias sociais fizeram a aparência ser mais importante do que a realidade e jovens vivem para propagar um estado de espírito fictício.

Toda vez que a câmera liga, a personagem de Yoko se transforma. Ela está feliz e satisfeita de estar ali falando com o seu público. O corte faz com que sua realidade se revele: alguém que queria estar fazendo outra coisa, completamente diferente. Nessa nova representação do mito do palhaço cria uma nova distensão por trás das câmeras. É como se o corpo da jovem estivesse no Uzbequistão, mas sua alma estivesse em outro lugar.

É nessa ausência que o quase road movie se desenvolve. Entre as tentativas de contato ao fim do dia com o namorado bombeiro que ficou no Japão, e as inúmeras gravações, a descoberta de pessoas e lugares, por mais atrativos que sejam, vem desinteressada. Essa falta de interesse traz outros sentimentos, que Kurosawa faz questão de destacar.

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Enquanto Yoko anda pelas cidades, sem entender nada do que aquelas pessoas falam, o mundo que se vê não é o mundo que existe, mas aquele que ela projeta. Ao não estar lá, não participar da própria viagem, ela enxerga reações que são de repúdio e ameaça. Todos a olham com desconfiança e curiosidade, todos os caminhos são ameaçadores e o lugar é hostil.

O diretor ressalta esses momentos e não poupa no estranhamento pela geografia, pela língua, trazendo a percepção também ao espectador, mas, ao mesmo tempo, construindo uma trilha para expor a falsidade da percepção, em uma sequência que expõe o preconceito, uma relação onde não se conhece o outro lado.

A construção de toda esta primeira parte e da imersão na viagem mal viajada de Yoko é primorosa. A percepção que traz a mudança chega gradual e vem trazendo a autodescoberta que parecia não ser possível. Em meio ao ainda mais improvável, Yoko encontra a Yoko que gostaria de ser.

Porém, há um incômodo no filme. Depois que a trama se assenta, que a relação com aquela personagem está estabelecida, O Fim da Viagem, o Começo de Tudo sai por uma tangente inesperada, em uma perseguição ou na obviedade com que recria laços com a realidade suspensa. É outro ritmo, outra história que se revela, e que interessa menos do que o passear pelo personalíssimo de Yoko.

Apesar da quebra, ainda há momentos inspirados, como a conversa na delegacia. “Por que você não nos disse isso antes?”, diz o homem de maneira afável sem ser entendido. É o sentimento que traduz o filme, o de que não é possível ver sem olhar e o de que é viável se reconhecer, encontrar e modificar em qualquer lugar que seja. Para cada caminho trilhado, sempre haverá um novo começo.

Um Grande Momento:
Libertando o bode.

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Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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