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Sobre Fernanda

O tempo passa e Eurídice Gusmão envelhece, ela retorna à tela vivida por Fernanda Montenegro, a maior dentre todas as atrizes brasileiras. O que Fernanda faz em cena no filme de Karim Aïnouz é impressionante: ela incorpora todo o trabalho desenvolvido até então, se transforma naquilo que Carol Duarte definiu para a personagem, em trejeitos, entonação e olhar.

Ontem, em mais uma declaração que reflete o posicionamento deste governo quanto à cultura, o diretor do Centro de Artes Cênicas da Funarte, Roberto Alvim, ofendeu a atriz. Falando que o diálogo com a classe artística é impossível, chamou-a de sórdida, mentirosa e disse desprezá-la. O motivo foi a capa da revista literária “Quatro cinco um”, onde Fernanda aparece amarrada, prestes a ser queimada em uma fogueira de livros.

Na onda obscurantista que assola o Brasil de hoje, este tipo de comportamento, vindo de um gestor público, não só demonstra a má-vontade e a cegueira como confirma exatamente o que aquela capa da publicação gostaria de dizer. Não saber quem é Fernanda Montenegro para a arte brasileira e não respeitar sua trajetória repleta de êxitos no teatro, na televisão e no cinema é absurdo e só demonstra a inadequação de Alvim para qualquer tipo de cargo público que exista.

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À Fernanda Montenegro, tudo!

É o que ela merece depois de tantos anos criando novas personalidades, incorporando novas particularidades e construindo histórias, seja no tablado, com sua Petra von Kant, Dona Doida ou vivendo sem tempos mortos; seja na televisão com suas memoráveis Charlô, Naná, Bia Falcão ou Dona Picucha, papel que lhe rendeu, inclusive, um Emmy.

E ainda tem o cinema, onde cada uma de suas personagens ganhou força e dimensão própria, com atuações que renderam premiações aqui e ao redor do mundo, com direito ao Urso de Prata no Festival de Berlim, à Concha de Prata no Festival de San Sebastian e indicações ao Globo de Ouro e ao Oscar.

Diante da ignorância de Alvim e de sua cruzada contra a arte, vale ressaltar uma vida dedicada à criação, com alguns dos mais marcantes papéis de Fernanda Montenegro no cinema.

Isadora, em Central do Brasil (1998)
Direção: Walter Salles

Romanda, em Eles Não Usam Black-tie (1981)
Direção: Leon Hirszman

Zulmira, em A Falecida (1965)
Direção: Leon Hirszman

Eurídice Gusmão, em A Vida Invisível (2019)
Direção: Karim Aïnouz

Compadecida, em O Auto da Compadecida (2000)
Direção: Guel Arraes

Dona Matilde, em O Beijo no Asfalto (2018)
Direção: Murilo Benício

Dona Mocinha, em Infância (2014)
Direção: Domingos de Oliveira

Regina, em O Outro Lado da Rua (2004)
Direção: Marcos Bernstein

Tránsito, em Amor nos Tempos do Cólera (2007)
Direção: Mike Newell

Dona Maria, em Casa de Areia (2005)
Direção: Andrucha Waddington

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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