- Gênero: Drama
- Direção: Maryam Moghadam, Behtash Sanaeeha
- Roteiro: Mehrdad Kouroshniya, Maryam Moghadam, Behtash Sanaeeha
- Elenco: Maryam Moghadam, Alireza Sani Far, Pouria Rahimi Sam, Avin Poor Raoufi, Farid Ghobadi, Lili Farhadpour
- Duração: 105 minutos
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Ao abrir seu longa, Maryam Moghadam e Behtash Sanaeeha entregam ao espectador um verso do segundo e maior sura do Corão, ao mesmo tempo um gesto de desobediência e um símbolo da força submissão aos desígnios de Deus. O questionamento ali representado pode vir de muitos lugares: contra um Estado que se toma como superior, um humano que se imbui de certo poder, a própria vida. “Você está zombando de mim?”. O Perdão se afasta da conotação religiosa, mas nunca a perde de vista, pois se trata de uma história passada na República Islâmica do Irã, portanto, nunca completamente dissociada, e fala de dor e da tentativa de reconstrução.
Se há algo de metafórico na demonstração do dilema, a situação de Mina, a quem acompanharemos pelos próximos 105 minutos, é apresentada de maneira crua, com tempo para sua angústia à caminho do presídio, no apresentar-se à portinhola ao carcereiro, no cruzar o corredor rumo à cela e no encontro com o marido, até que a porta se feche e apenas se possa escutar a despedida. O início da dor daquela mulher, e sua capacidade de tentar transformar seus dias sem abandonar suas questões, naquele país. Junto com ela, Reza, que surge sem apresentações, tem as suas próprias dores a superar. Neste encontro, O Perdão se estabelece.
Moghadam, que também é a atriz principal do filme, assina o roteiro ao lado de Sanaeeha e de Mehrdad Kouroshniya e traz à trama, além de todas as questões humanas por trás da execução de Babak, marido de Mina, a realidade de ser mulher naquele contexto. Embora traga sempre o hijab na cabeça e fale de acordo com as convenções, a protagonista guarda características de antes da revolução de 1979. Sua filha, Bita, leva o nome de uma personagem famosa do cinema pré aiatolás e ir ao cinema é uma atividade que sempre fez parte da rotina da família. Tomando as rédeas da vida, Mina nem de longe pensa em se submeter às vontades do sogro ou do cunhado, e também não se incomoda em estar com Reza, o recebe em casa, sai com ele.
Se a protagonista recebe muita atenção e conta com uma construção detalhista e cuidadosa, o mesmo não é completamente verdade quando se pensa no personagem masculino, que encontra sua potência, embora padeça com a vontade de fugir de uma previsibilidade impossível de se evitar e se enfraqueça tanto na transição do roteiro quanto em seu arco individual. Mas, mesmo que sua história em si não seja tão bem trabalhada, a aproximação e a dinâmica estabelecida entre os dois, principalmente pelo sentimento de preenchimento na vida de ambos, desperta interesse. Muito da conexão se deve também ao trabalho de atores Moghadam (Risk of Acid Rain) e Alireza Sani Far (Dressage).
Com a estética iraniana mais moderna, que se popularizou com Asghar Farhadi e seu A Separação, o cinema de Moghadam e Sanaeeha vai além dos personagens e integra os espaços. Seus quadros estáticos e planos abertos, descentralizados, interagem com Mina, Reza e Bita, seus contraplanos estabelecem as conexões. As casas, repartições públicas e a fábrica têm suas próprias personalidades. São relações que passam a existir, em O Perdão, e que vão além da “humana”, ali os diretores encontram material para criar cenas impressionantes, onde o tempo, o silêncio e o vazio têm muito significado. Há também habilidade no desenvolvimento de um sentimento construído no escuro, um não-saber que não existe para quem acompanha a trama. Todos, dentro e fora da tela, são testemunhas mudas de sua jornada.
Em uma história que nega o básico e tira o mais essencial ao ser humano, há muita sensibilidade no retratar a dor e a ausência em uma sociedade que, além de tudo, invisibiliza e inviabiliza a mulher. Conto imoderado, O Perdão perturba e aperta o coração pelo peso da injustiça e pela impossibilidade diante dos fatos. Um filme que faz com que a incredulidade se apresente não pela implausibilidade dos eventos, mas justamente por, ainda que não em um mesmo lugar e nem sob as mesmas vestes, existirem histórias assim. “Você está zombando de mim?”
Um grande momento
A conversa na varanda