Crítica | Outras metragens

O Resto

À prova de invisibilidade

(O Resto, BRA, 2021)
Nota  
  • Gênero: Documentário
  • Direção: Pedro Gonçalves Ribeiro
  • Roteiro: Pedro Gonçalves Ribeiro
  • Elenco: Rute Vianna, Vanessa Machado, Tucha Borges, Maria das Graças Loures e Gisele Duarte
  • Duração: 20 minutos

D. Iolanda descobriu da maneira mais insólita que está morta. Ainda que na verdade esteja viva e produzindo, oficialmente sua certidão de óbito foi emitida, seu enterro aconteceu, seus direitos foram tomados pelo Estado, e agora ela é um fantasma andando por uma Belo Horizonte igualmente fantasmagórica. Em apenas 20 minutos, ‘O Resto’ faz uma leitura acentuada sobre o apagamento das grandes cidades, confundindo o desaparecimento dos indivíduos com o dos espaços urbanos, públicos ou não. Como se o mundo estivesse refém do que é novo, e o espaço para a História fosse desaparecendo até não restar nada.

Pedro Gonçalves Ribeiro têm muitas ambições, e em seu curta metragem testa as possibilidades de encaixá-las, em comunicação acertada. Estamos diante de uma forma nova de passamento, aquele feito ainda em vida, e que reflete muito do que acontece hoje com grandes cidades. Nada nem ninguém esgotou, mas a sociedade quis que o tempo acabasse para alguém, para algo, e assim será. O filme investiga em como esses espaços e esses corpos se encontram e que tipo de lamento nasce diante de seu desaparecimento gradual, de sua total obsolescência e sua inutilidade aparente; quem se importa com o que já se foi?

Na contramão do que está surgindo, sendo lançado e obtendo reconhecimento, o nosso tempo escasseia o que não é mais importante, mesmo contra a vontade de quem já foi. Aos poucos, espera-se uma aceitação diante da própria inexistência; que as pessoas acatem as decisões e simplesmente sumam e se tornem passado, pois o presente não lhes pertence. A gentrificação humana também existe, onde realocaremos pessoas novas em folha no lugar de personagens que já não representam mais o futuro, e assim é feito tanto com os lugares quanto com as pessoas, diminuindo a importância da História, como um bom e típico brasileiro.

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Com um andamento quase contemplativo diante de uma das formas de horror mais eficazes dentro do naturalismo, que é a consciência da própria finitude e ser apresentado sistematicamente a essa situação sem chance de retorno, ‘O Resto’ se monta de maneira documental para contar uma história de gênero. Tudo o que Ribeiro pretende acrescentar ao descalabro geral da máquina pública é potencializado por uma narrativa concisa embora muito eficaz em seus pontos de alicerçamento; há uma gradual propensão à perda da razão, pré à destituição absoluta de qualquer esperança diante do futuro. Estamos todos fadados ao descarte.

Com um portfólio como esse, Ribeiro, que está preparando seu primeiro longa, garante mais do que nossa atenção no futuro. Sua visão pessimista para com o estado das coisas contrasta com as relações humanas que ele celebra na obra, da vizinha e amiga que d. Iolanda encontra, e que a ajuda a despeito da aparente solidão, e a da própria senhora protagonista com o espaço que a cerca, ambos com o destino traçado, porém inconformados em aceitar o destino imposto pela sociedade; a própria personalidade da protagonista, viva e esfuziante apesar de tudo, é um convite à compaixão. ‘O Resto’ é daquelas produções que podemos chamar, sem medo de errar, de encantadora.

Um grande momento

A saída da sessão na corte


O crítico viajou ao 25° Cine PE – Festival Audiovisual a convite do evento.

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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