- Gênero: Ficção
- Direção: Carlos Segundo
- Roteiro: Carlos Segundo
- Elenco: Priscilla Vilela, Ênio Cavalcante, Fernanda Cunha, Matheus Brito, George Holanda, Mateus Cardoso, Robson Medeiros
- Duração: 15 minutos
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Deixe-me ir
Preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir pra não chorar
O espelho nem sempre é literal. É possível olhar para algo que não aquilo que se sente na pele para identificar exatamente o que se vive. Uma panela ariada que se atira longe tem o mesmo significado em locais onde sequer existam panelas, porque em um mundo onde se estabeleceu um determinado lugar/posição para a mulher, onde se restringem escolhas e possibilidades, o estopim é reconhecível. E é muito bom que se viva em um tempo quando esse estopim não basta.
Em seu preto e branco, com uma narrativa simples e eficiente, Sideral se constrói sobre elementos que não são vistos mas estão muito presentes no filme. Os corpos já definiram os limites, as ações estabeleceram as dinâmicas. Quem está ali, seja na casa da família, na oficina mecânica ou mesmo nos arredores da estação especial, sabe exatamente o que aconteceu e não precisa de mais nada para estar envolvido com aqueles personagens.
Foguete do tipo NASA saindo da atmosfera
Tem turbina nessa raba e agora ninguém me pega.
Sideral fala do mundo através daquela família: a mulher, que trabalha servindo o governo limpando e as noites servindo a família para manter a casa funcional, deixando a feira feita, a comida pronta, a roupa lavada, os meninos na cama, a cozinha limpa; já o marido, passa os dias trabalhando na oficina, se gabando de sua masculinidade e as noites ausente. Além do duo, habitam aquele universo de maneira mais determinante para o estado das coisas as crianças, reforçando a invisibilidade que há séculos o patriarcado e a culpa normalizam. E há também, lógico, o Brasil, que, para além daquele Rio Grande do Norte deslumbrado com sua base espacial, também é o país da gambiarra.
Segundo destaca o sentimento dessa mulher que não se percebe mais possível em ambientes limitadores e demonstra o porquê, seja nos diálogos já exaustos ou em composições cênicas, com ela fora do quadro, em interações pouco convincentes ou oprimida pelo espaço que a circunda. E vem a virada que não transforma esteticamente, mas transforma tudo. Aquela ausência torna-se presença, o masculino invade o local e assume o patético, na figura dos militares e, principalmente, do marido.
Ela desatinou, desatou nós
Vai viver só
Eu não me vejo na palavra
Fêmea, alvo de caça
Conformada vítima
Prefiro queimar o mapa
Traçar de novo a estrada
Ver cores nas cinzas
E a vida reinventar
Em seus dois pólos, a que vai e o que fica, o curta tem nos atores seu outro ponto forte. Priscilla Vilella e Ênio Cavalcanti são potências em cena. Ela na explosão e no cansaço que leva à decisão já tomada e ele à realização de um novo presente, totalmente inesperado. “O que será de mim agora?” traduzido naquele olhar esvaziado que só o desespero causa.
Tem sempre o dia em que a casa cai
Pois vai curtir seu deserto, vai
O interessante de Sideral é ser um filme completo, fechado em si mesmo, mas permitir, ao mesmo tempo, intersecções e criações paralelas por ser a representação do que está aí na casa de tanta gente ao redor do mundo. Há ainda um contextualizar a relação no tempo, sem deixar de perceber as marcas de um sistema que impera há gerações. Na sutileza de uma filha que solta foguetes pelo foguete libertador (ah, a ironia de ser tão fálico o objeto de ruptura), há esperança numa nova geração de mulheres. O mundo, ali, começou a ser outro.
Um grande momento
A gente pode manter o salário dela.
A crítica viajou à 8ª Mostra de Cinema de Gostoso a convite do festival