- Gênero: Drama
- Direção: Steven Spielberg
- Roteiro: Steven Spielberg, Tony Kushner
- Elenco: Michelle Williams, Paul Dano, Seth Rogen, Gabriel LaBelle, Mateo Zoryan, Keeley Karsten, Alina Brace, Julia Butters, Birdie Borria, Judd Hirsch, Sophia Kopera, Jeannie Berlin
- Duração: 151 minutos
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“Filmes são sonhos que você nunca esquece”. Assim o pequeno Samuel Fabelman foi apresentado ao cinema por sua mãe momentos antes de assistir ao seu primeiro filme na tela grande e se apaixonar pelo resto da vida. Ele é o protagonista de Os Fabelmans, novo longa daquele que criou tantos sonhos inesquecíveis para todos, Steven Spielberg. Ao assumir a autobiografia, mas criando todo um novo universo ficcional onde ela se insira, o diretor faz uma bela e emocionante carta de amor à sétima arte e ao ofício de criar histórias usando “fotografias que se movem”.
À história se acompanha desde muito cedo e por um bom tempo. Da infância do protagonista até que ele se torne um jovem adulto, do deslumbramento com as primeiras imagens projetadas até a primeira conversa em um estúdio, passando pela descoberta, experimentações e as primeiras realizações cinematográficas. Tudo isso muito bem encaixado na história de uma família cheia de afeto e conflitos. Com roteiro de Tony Kushner (com quem já trabalhou em Munique, Lincoln e na adaptação de Amor, Sublime Amor) e dele mesmo, voltando a escrever depois de um tempo, Spielberg cria um ambiente acolhedor, de onde não se quer afastar, e amplia o seu alcance para muito além dos cinéfilos que, com certeza, queriam estar ali.
Além de Sammy, que quer ser chamado de Sam, o núcleo duro é formado pelo pai engenheiro, Burt; a mãe pianista, Mitzi; e as irmãs Natalie, Reggie e Lisa, além de um tio do coração que está sempre presente, o melhor amigo do pai, Bernie. O menino, filho da arte com a tecnologia, conta com o incentivo e apoio de todos, embora tenha que lidar em algum momento com a desvalorização de suas escolhas, como qualquer artista – e o próprio filme tem um personagem ótimo para lidar com isso, o tio Bóris, com suas histórias e conselhos.
A questão está também em outra personagem interessante de Os Fabelmans, Mitzi, que escolheu o caminho diferente e deixou de ser a musicista que poderia ter sido. Não que não haja apoio, mas existe sempre a imposição de prioridades. Vivida por Michelle Williams, em mais um grande trabalho, a mulher se vê realizada como mãe, ama aqueles momentos, mas aparece deslocada naquela vida. Ainda assim, isso não faz dela menos forte e impositiva. O que, numa dinâmica de não-pertencimentos, leva a Burt, interpretado por um Paul Dano em estado de graça, figura que cumpre o papel tradicional do provedor, mas é muito mais do que isso, e também amarga suas frustrações.
Os Fabelmans trata de sentimentos bem conhecidos e temas muito comuns em qualquer relacionamento familiar, sem deixar de imprimir ali a especificidade de sua realidade, afinal de contas é uma família branca, de classe média e judia. Em meio aos barulhentos jantares em dia de festa, a evidente crise conjugal, a difícil adaptação na nova escola e a descoberta do primeiro amor, fala também de quesitos técnicos básicos do cinema; mostra como funciona a montagem, inclusive tratando de intenção, e acompanha os sets, com direito a efeitos especiais sendo produzidos e direção de atores.
Há muita habilidade na união desses dois universos que se confundem e afastam por muitas vezes, com uma narrativa fluida que não pesa para nenhum dos lados e compreende a relevância do espaço para cada um deles. Aliás, o equilíbrio visto em Os Fabelmans, justamente um filme tão pessoal, é de se destacar. Spielberg é alguém que tem a mão pesada para o melodrama e com uma tendência à manipulação desmesurada. Este não é mesmo um projeto que comportaria tanta intromissão, mas mesmo nos momentos mais densos, onde isso poderia surgir, não há exageros e nem exacerbações. Em suas longas e imperceptíveis 2h30 de duração, o material emociona por si.
As diferenças se encerram aí. Sabemos de quem estamos falando e o cuidado se nota em cada frame do filme. Não há tanta simplicidade na vida dos Fabelmans embora ela seja simples, e isso está no modo como seus espaços se apresentam. O desenho de produção de Rick Carter (ganhador do Oscar por Avatar e Lincoln), seja nas casas da família ou nas aventuras do diretor infantojuvenil Sammy, é incrível não só pela capacidade de ambientação, mas por traduzir personalidade e sentimentos. A sala da casa quando pais e filho tentam conversar depois da briga na escola é um ótimo exemplo. Os figurinos de Mark Bridges (oscarizado por O Artista e Trama Fantasma), em especial os de Mitzi, também se destacam nessa área.
E é difícil falar de uma obra do Spielberg sem falar da fotografia. Ao lado de seu parceiro de sempre Janusz Kaminski, ele impressiona até no mais simples. Os planos engrandecem a arte em tela, fazendo cada pequena descoberta ganhar novos contornos, e com que sequências como a do primeiro teste no ferrorama ou as das exibições para o grupo de escoteiros tragam para fora da tela o sentimento que está dentro dela. Acompanhando tudo, a já esperada trilha de John Williams, mas, na medida do projeto, suave e discreta. Há momentos de identificação mais evidente, eles vêm recheados de homenagens às influências do compositor, tendo o piano como destaque, e se encontram bem com as diegéticas sonatinas de Joanne Pearce Martin.
Os Fabelmans, no final das contas, é um olhar carinhoso para trás que, mais do que isso, vem com a consciência de que as influências são várias, de fora, mas de dentro de casa também. Se muitas são as homenagens ao cinema em que o destaque é o próprio cinema, Spielberg deixa tudo mais pessoal, pois a arte é mesmo o resultado disso. Cada momento passado ali, entre muito amor, vivendo a dualidade cotidiana da arte e da tecnologia, do impulso e da calma, da paixão e da razão; cada uma daquelas pessoas, com suas crenças, manias e modo de encarar a vida, estarão de alguma maneira no cinema de Sammy e de Steven. Assim como tudo aquilo a que ele assistiu ao longo de sua vida e também, claro, aquilo que ele ouviu dos que já sabiam.
Um grande momento
Tio Boris
Sublime!