Crítica | Outras metragens

Os Meninos Lobo

Homens em guerra

(Los niños lobo, CUB, 2020)
Nota  
  • Gênero: Documentário
  • Direção: Otávio Almeida
  • Roteiro: Otávio Almeida
  • Duração: 17 minutos

“Dois meninos moram com um homem mais velho em condições precárias, porém fazem das dificuldades uma ponte para a imaginação”. Bom, essa poderia ser uma versão Rede Globo da sinopse de Os Meninos Lobo, curta-metragem em cartaz no 9º Olhar de Cinema e que pode ser, fácil, uma reflexão sobre o poder da imaginação diante da adversidade, e no que essa mesma adversidade transforma a imaginação. Embrenhado entre esses dois códigos específicos, o filme trava uma batalha da vontade de realizar versus as possibilidades para tal, e em que condições as mesmas podem ser potencializadoras, uma da outra.

Otávio Almeida é um cineasta brasleiro que estudou e se formou em Cinema na Escola de Cuba, e foi lá que realizou essa produção quase transcendental sobre a infância de caráter observacional. Como uma testemunha, ora ocular e ora distanciada dos eventos mostrados, Almeida aproxima suas lentes de um microcosmos que vive o delírio em meio ao caos, que se apropria desse mesmo jogo infantil de proposições e invenções pra conversar sobre a política do medo entranhada na sociedade mundial através dos vislumbres de uma guerra que só parece longínqua, que absorve gradualmente todos nós para seu olho do furacão.

Os Meninos Lobo

Divididos entre serem crianças e tomar conta de um adulto alheio à vida, os pequenos recheiam seu dia a dia com um campo amplo de elementos que nunca se dissociam. Eles correm pela floresta, eles margeiam as estradas na madrugada, eles fazem vigiam o parente mais velho que também ele é um sobrevivente de outrora, e tudo se encaixa nessa caldeirão de elementos que nos remete às zonas de guerrilha e dos sacrifícios cubanos em prol de uma liberdade que promoveu quadros como o do filme, que somente com o poder do onírico poderá ser salvo, ou ao menos suavizado.

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Lentamente essa narrativa realista que se permite fantasmagórica começa a colocar em cheque esses jovens homens, todos inseridos em contexto onde a masculinidade não os deixará ilesos. Os assombros de guerras passadas os arremessam a guerras futuras onde a carga de ser Homem, de ter Honra, representa uma maldição a mais naquele ambiente; é por serem demasiadamente Homens que tantas vidas foram perdidas, literal ou metaforicamente, e a perda da razão também vasculha tantos sobreviventes. Onde irão parar os herdeiros das guerras, senhora de todas as tragédias?

Os Meninos Lobo

Dinamizando planos de confrontação direta com o espectador, o material filmado agoniza em suas utopias infantis, em seu desejo incontrolável por poder já tão cedo, em definir os rumos da vida e da morte onde não há uma terceira alternativa, como relegada ao moribundo que os circunda. Haverá o sangue lavado dos inimigos, mesmo que sejam nossos irmãos em armas, nossos irmãos nas veias. O que importa na narrativa excruciante de Os Meninos Lobo não é a sobrevivência mas o que permanece após ela. Homens. Honra. Sangue. Poder. A combinação dessas palavras nunca gerou bons resultados, nem entre brincadeiras juvenis. Estaremos todos mortos, e essa escolha nem será nossa, mas do Homem mais próximo a nós.

Um grande momento
O clímax

[9º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba]

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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