Crítica | Festival

Reinas

A imagem do pai

(Reinas, SWI, PER, 2024)
  • Gênero: Drama
  • Direção: Klaudia Reynicke
  • Roteiro: Klaudia Reynicke, Diego Vega Vidal
  • Elenco: Susi Sánchez, Gonzalo Molina, Luana Vega, Abril Gjurinovic, Jimena Lindo
  • Duração: 104 minutos

A relação de pai e filha é complexa e pode render muitos enredos diferentes para o cinema. Um dos grandes filmes do ano passado, Aftersun, dirigido por Charlotte Wells, trata justamente das lembranças de uma mulher das últimas férias que teve com seu pai, ainda criança, trazendo à tona a conexão e a ruptura; a formação e a dissolução dessa imagem. Muitos outros títulos abordam a constituição dessa figura, como ela se estabelece e perdura no imaginário de sua filha nas diferentes fases da vida. Assim é em Reinas, que não chega à fase adulta, mas consegue alcançar dois momentos da vida.

O longa de Klaudia Reynicke conta a história de Carlos, um atrapalhado trambiqueiro, que depois de um tempo na prisão tenta se aproximar das filhas Aurora e Lucía e estabelecer uma relação verdadeira com elas. Dado a inventar fantasias mirabolantes para justificar sua ausência e para impressioná-las, ele se torna alguém que desperta no espectador uma certa pena, mas sempre fazendo com que o absurdo e sua postura bem-humorada aliviem o sentimento. Do outro lado estão as duas garotas, uma adolescente e uma ainda criança e a maneira diferente com que recebem as histórias do pai. A dinâmica é interessante, com o ceticismo de uma influenciando a ingenuidade da outra e a pureza desta influenciando a dureza daquela.

Para além de Carlos, a relação das duas é bem desenvolvida pela diretora. Ela faz questão de deixar evidente a diferença etária que as afasta, mas destacando a solidariedade que existe entre elas e as une em vários momentos. Aliás, o modo como retrata o núcleo familiar é envolvente e verdadeiro. Sem apelações e grandes dramas, a diretora ressalta a força dos personagens e dá tempo a eles, fortalecendo diálogos e eventos. Reinas é um filme que flui com naturalidade e envolve quem o assiste.

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Até mesmo sua localização no tempo histórico – o longa se passa durante a ditadura militar no Peru – é coerente e se adequa bem à trama. Além de definição de cenário, o momento específico é parte na constituição do protagonista no imaginário de suas filhas e na definição da trama, selando a compreensão para além daquilo que é criado. É na compreensão do fascinante personagem de Carlos, não só para quem o assiste de fora, mas para aquelas que com ele convivem, e na percepção de seu amor verdadeiro que está a maior força e beleza do longa.

Tendo um pai tão fascinante para retratar, Reynicke é certeira ao apostar na simplicidade. Se a relação é complexa, essa era mesmo a melhor abordagem. A diretora acerta também ao criar um ambiente tão identificável, com uma família como tantas, em suas crises, conflitos, comunhões e afetos. Um belo filme.

Um grande momento
O abraço no cartório

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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