- Gênero: Drama
- Direção: Michael Showalter
- Roteiro: Abe Sylvia
- Elenco: Jessica Chastain, Andrew Garfield, Cherry Jones, Vincent D'Onofrio, Mark Wystrach, Sam Jaeger, Louis Cancelmi, Gabriel Olds, Fredric Lehne, Chandler Head, Jay Huguley, Dan Johnson
- Duração: 126 minutos
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Há cinco anos atrás, o diretor Craig Gillespie tinha uma história infame para contar, e resolveu chafurdar seu novo filme na mesma tinta do qual seus personagens tinham sido criados, na própria vida real. Eu, Tonya tratou da disputa entre as patinadoras Tonya Harding e Nancy Kerrigan com requintes de deboche e estupefação, exatamente como era a tônica do que a própria protagonista tinha pautado sua visão dos fatos. O resultado foi um sucesso de adequação entre tema e abordagem, retirando as características padronizadas do que é uma abordagem biográfica no cinema. Os Olhos de Tammy Faye, estreia do Star+, perde as oportunidades de reivindicar empatia a seus personagens tirando-os de um excesso de humanidade plastificada, quando os próprios são cartunizados esteticamente.
Cinco minutos iniciais de infância, para que percebamos a personagem em suas obsessões desde a origem. Bem, quando já estamos absolutamente enfadados de que biografias não abracem para si um discurso unilateral calcado em defender uma postura de personalidade tão arraigada que abarque literalmente toda sua trajetória, sempre existe uma produção nova para que esses dados sejam mais uma vez reproduzidos. Não importa quantos Spencer sejam produzidos, a máquina de Hollywood prefere o conservadorismo visto aqui na imensa maioria das vezes, porque esse é o modelo que eles entenderam onde cabe a “história da vida de alguém”, de maneira bem quadrada e antiquada, ainda que seus personagens peçam literalmente uma linha menos limitante.
O diretor Michael Showalter tinha a sua disposição exemplos de linguagem, além da própria filmografia (Doentes de Amor, um filme também acomodado) que o permitiriam ter uma visão menos embolotada para um casal que não foi vítima de forças externas – ou seja, foram responsáveis diretos pela sua trajetória – nem teve uma postura padronizada em relação ao mundo à sua volta, e em como refletiu esse mundo na sua própria história. Ainda que fossem filhos das décadas de 70 e 80, com toda a sorte de exotismo que poderiam ter absorvido, nas entranhas pessoais seu caminho não encontrou reflexos de igual estatura, embora não tenham inventado o estelionato, nem decretado a decadência do mesmo.
O que Tammy Faye e Jim Bakker poderiam ter inspirado de mais atrativo para um filme sobre sua relação, a produção não o faz esteticamente na maior parte do tempo. Existem aqui e ali momentos de subversão imagética, mas é uma dose ínfima para uma produção duração elevada (2 h) e cuja primeira parte tem ritmo muito inferior à segunda, centrando sua observação na forma devota com que seus personagens reagem à religião, quase um culto em forma de filme. Aliás, a montagem de Andrew Weisblum (acertadamente indicado ao Oscar esse ano por tick tick… BOOM!), em parceria com Mary Jo Markey, é no mínimo, claudicante – por ora acerta demais, e rende por alguns dos melhores resultados do filme, e por ora não consegue escapar de uma estrutura repetitiva de “esperteza” cênica.
O que Os Olhos de Tammy Faye tem de efetivo positivamente é o seu elenco, encabeçado por uma Jessica Chastain destemida. O coletivo é todo de extrema qualidade, e tanto Cherry Jones quanto Vincent D’Onofrio e Andrew Garfield tem momentos de muita inspiração, servindo à protagonista como belas e ambiciosas escadas; se o resultado fosse uma produção menos acanhada, talvez todos tivessem melhores chances de mostrar efetivo serviço. Chastain, no entanto, tem uma presença cuja incandescência só se evidencia a cada novo bloco de eventos, onde a personagem ganha camadas de elementos cada vez mais desafiadores para uma atriz, e principalmente uma com tantos recursos como ela.
A triste constatação é de que Os Olhos de Tammy Faye tinha estrutura para ser mais do que uma peça no portfólio para a temporada de premiações com sua protagonista, como o filme de Gillespie sobre a ganância nos esportes de inverno o foi. Jessica Chastain, a gana de se entregar a uma zona tão excêntrica sempre procurando a micro humanidade por trás dos cílios e delineadores, merecia um roteiro menos adormecido em suas intenções. Ela é o motivo para que lembremos dessa tentativa toda falha de observar os meandros do televangelismo estadunidense, com sua dose de melancolia toda evidente em seus expressivos olhos; sobra pouca para lembrar que não seu talento tão cheio de nuances.
Um grande momento
“Higher and higher”