Crítica | Streaming e VoD

tick, tick… BOOM!

Love in the afternoon

(tick, tick... Boom!, EUA, 2021)
Nota  
  • Gênero: Musical
  • Direção: Lin-Manuel Miranda
  • Roteiro: Steven Levenson, Jonathan Larson
  • Elenco: Andrew Garfield, Alexandra Shipp, Robin de Jesus, Vanessa Hudgens, Joshua Henry, Jonathan Marc Sherman, MJ Rodriguez, Ben Ross, Judith Light, Bradley Whitford, Laura Benanti
  • Duração: 115 minutos

Não há problema aparente na crítica quando o autor da mesma se identifica em demasia com o material filmado, narrativamente falando: esse é um pensamento que ocorre ao assistir cada novo filme, ao contemplar cada nova história analisada. Dito isso, é igualmente complexo ver um (ou uns) dilemas em tela onde já nos pegamos de maneira conflituosa. tick, tick… BOOM!, estreia da Netflix e pretenso candidato a estatuetas vindouras no próximo março, vai bater diferente em cada um que assistir, até por ser um filme de um gênero cada vez mais polarizamte, principalmente no Brasil, o musical. Vencidos os temores com sua pantomina e a identificação com o que está sendo dito, sobra uma bela estreia na direção do múltiplo Lin-Manuel Miranda, ator/músico/roteirista/compositor/produtor/vencedor de muitos Emmys, e agora, diretor de cinema.

Miranda teve um ano extremamente prolífico. Esteve envolvido em Em um Bairro de Nova York, A Jornada de Vivo, Querido Evan Hansen e semana que vem estreia ‘Encanto’, mas sua estreia tem um sabor especial, e não apenas por sê-lo. Em um ano onde os musicais voltaram ao centro das atenções na indústria, a estreia de um novo diretor acaba sendo seu ponto de impressão positiva mais forte, e não é de se estranhar que, mesmo estreante, isso esteja atrelado a um profundo conhecedor do universo, com folha corrida e reconhecida sendo enfim ampliada em outra mídia. É, antes de um lugar de estreia, a certeza de um olhar rejuvenescido sobre o próprio cinema, em qualquer gênero, pois é generoso com a linguagem, claramente a admira, mas não se dobra a ela, tentando sempre subverte-la.

Um autor com serviços prestados a um gênero poderia simplesmente homenageá-lo sem correr riscos, ampliar sua rede de atuação porém com segurança, dentro de um limite de atuação. Não é isso que Miranda faz – sua zona de conforto não existe em cena, porque ele propõe sempre reintegrar os cânones de um dos gêneros mais primordiais de Hollywood a discutir novas saídas para o mesmo, isso tudo sem abrir de um retrato acurado da época retratada, o início dos anos 1990, e em cada detalhe de sua extensa lista de valores de produção, o filme se dedica ainda a aplicar imageticamente ideias oriundas do período, com fidelidade e sem entupir a produção de penduricalhos desnecessários. Um autor que entende a hora de ousar, mas igualmente entende a hora de contar sua história, sem tirar a importância dessa efetividade.

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tick, tick… BOOM! ainda consegue a façanha de contar uma saga biográfica em… meses?, sem jamais se perder da essência de seu ponto de foco, afinal, o biografado; Jonathan Larson, ‘vida louca vida/ vida breve / vida imensa’, foi tão revolucionário em sua área, promoveu uma sacodida em pedras tão fundamentais da Broadway quase sem ver o movimento que causou, que era essencial que se cooptasse para a linha narrativa de sua versão cinematográfica o frescor que ele fez surgir nos palcos. A felicidade de Miranda foi em caminhar por lugares tão sacodidos quanto, sem perder o crucial – contar uma história humana, com relevo e pungência, nos convidando a uma experiência acima de tudo empática.

Se a urgência em nos transportar para um lugar e uma época se faz presente a cada nova cena, Miranda nunca se esquece de tratar da história da vida de alguém e igualar a trajetória de sua narrativa ao seu personagem. Ambos, tick, tick… BOOM! e Larson, funcionam na base da empatia, ao olhar pra própria situação sem jamais perder o peso do seu entorno. Com isso, trata com propriedade de um material real, do retrato de um tempo, do peso observacional sobre uma epidemia cruel, tudo isso junto; não é algo de simples realização, e mesmo que não consiga abarcar com excelência cada ponto de inflexão pretendido, ainda cabe a colocação de compreender o trabalho de uma biografia sem o ranço que se arrasta pela imensa maioria delas, pois conserva o que é mais intrínseco ao seu homenageado, sem precisar nos arrastar por “infância – juventude – vida – morte”.

Se o corpo atlético de tick, tick… BOOM! é de toda autoria de um novo diretor empenhado em traduzir um gênero tão tradicional quanto engessado, remodela-lo sem destituir de seus pilares, e incluir um tributo dos mais emocionantes a toda a classe musical teatral americana na magnífica cena de “Sunday”, o coração e a alma do filme pertencem a Andrew Garfield. Nunca menos que encantador, o ator conquista o papel de uma vida e dá sangue, suor e lágrimas o suficiente para sair do longa em outra esfera, infinitamente elevada. Sua performance é o grande motivo pelo qual todo o resto é percebido, sua dedicação às belas canções do filme são pura inspiração (“30/90” abre o filme de maneira tão brilhante que é impossível esquecer) e seu carisma é mais que suficiente pra que entendamos um homem tão fervilhante de paixões, de humanidade e de talento; Larson com certeza está agradecido a ambos por dedicação tão explosiva.

Um grande momento
“30/90”

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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