Crítica | Outras metragens

Os Últimos Românticos do Mundo

Distopia queer para o fim dos (nossos) tempos

(Os Últimos Românticos do Mundo, BRA, 2020)
Nota  
  • Gênero: Ficção
  • Direção: Henrique Arruda
  • Roteiro: Henrique Arruda
  • Elenco: Carlos Eduardo Ferraz, Mateus Maia, Gilberto Brito, Sóstenes Fonseca, Sharlene Esse, Raquel Simpson
  • Duração: 22 minutos

São tantas as referências utilizadas por Henrique Arruda em Os Últimos Românticos do Mundo que periga o espectador se deixar levar pelo canto de uma sereia muito sedutora e perder o fio da meada narrativo. Há muita coisa para ver, para absorver, um caldeirão cultural imenso e transbordante que conversa com diversos grupos etários diferentes, com muitas orientações sexuais (ainda que a tribo LGBTQI+ seja o foco principal), com carinho infinito por cada uma dessas vertentes abordadas nessa espécie de fábula campy distópica, veículo não apenas para desfilar a memória de seu autor, mas principalmente seu coração, e com isso afetar tantos outros.

Como tantos produtos recentes, que vão de Stranger Things a Os Jovens Baumann, passando pelos inúmeros documentários que investigam imagens pré-concebidas à realização para fomentar laços afetivos na maior parte das vezes oriundos de núcleos familiares, o filme aborda uma estética oitentista/noventista para criar material imagético de qualidade inquestionável, que vão desde as legendas de apresentação dos filmes marca registrada da Globo (com sua separação por ‘partes’) até a qualidade específica das imagens, retiradas de clássicas fitas de VHS que todos nós gravamos, até chegar no trabalho sonoro, igualmente impressionante (“versão brasileira, Herbert Richers”).

Os Últimos Românticos do Mundo

Na tela, misturado a toda essa informação icônica cujos signos são de clara apreensão pra quem viveu no período, a atmosfera queer é reproduzida em todo seu majestoso orgulho em todas as vertentes possíveis. Isso é talvez o grande dado a ser guardado a respeito do filme de Arruda, há muita paixão, muita verdade, há um imenso prazer em estar contando aquela história, cujo material empático acontece quase que imediatamente ao público-alvo, mas que não demora em fazer efeito a qualquer cinéfilo. Não satisfeito das qualidades da encenação, o filme ainda abarca um plot twist inesperado e emocionante, que eleva o material como um todo.

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Mas é preciso deixar claro que Os Últimos Românticos do Mundo é desenvolvido sob a chave da farsa, do experimentalismo e da artificialidade, mesmo esses códigos típicos dos anos 1980 são um prenúncio de que seu material tem tanta potência narrativa quanto imaginativa, incluindo uma setorização futurista do tempo presente da produção – sim, o filme pode ser encarado na alcunha da ficção científica, também angariando signos do gênero, que cobra pra si algumas das ideias apresentadas, como a da fumaça cor de rosa misteriosa, que ameaça e encanta a seus personagens.

Os Últimos Românticos do Mundo

Sem medo do exagero, Arruda parece interessado em solidificar sua narrativa com excessos, e ao contrário do que poderíamos imaginar, sua força cênica é aflorada por essas inúmeras referências que acabam por incluir até musicais, seja ao vivo, seja na homenagem à uma MTV longínqua, lá do início, e elevando Bonnie Tyler mais uma vez à musa de (mais) uma geração. A música também desempenha uma função de amalgamar sentidos e aprofundar emoções entre não apenas os personagens, como também aos espectadores, que saem do filme implacavelmente nocauteados pela seleção de gatilhos de outras épocas e outro amores.

Se Mateus Maia e Carlos Eduardo Ferraz vendem química em cena e são responsáveis pela catarse emocional que o filme apresenta, é nas capacidades de regente de Henrique Arruda que tudo se arregimenta. Tecnicamente embasbacante, Os Último Românticos do Mundo é uma fábula que talvez faltasse ao universo LGBTQI+ (GLS, nos 80?) e que Arruda descortina para nos fazer mergulhar junto com ele no seu manancial de memórias de um tempo passado para se comunicar com um tempo futuro, e sacudir o tempo hoje. São os clichês do amor românticos sendo devassados e redefinidos de ponta a ponta, pra mostrar o que talvez falte na sociedade atual: AMEM-SE!

Um grande momento
Daqueles casos onde a resposta poderia ser “o filme inteiro”, mas… Magexy.

[9º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba]

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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