- Gênero: Documentário
- Direção: Kristine Stolakis
- Roteiro: Kristine Stolakis
- Duração: 101 minutos
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“Enquanto houver homofobia neste mundo, alguma versão do Exodus surgirá. Porque não é a organização, nem são os métodos que ela usa, é a crença básica de que há algo intrinsecamente desordenado e que deve ser mudado em ser gay. Enquanto isso continuar a existir, haverá alguma forma disso”. É sobre isso! Pray Away é um filme sobre intolerância, sobre a dificuldade de aceitar o diferente, sobre o medo que é incutido há séculos, sobre perseguição social, sobre não poder ser quem se é, sobre falta de respeito, sobre falta de amor. O documentário de Kristine Stolakis, cineasta que busca usar sua arte como ativismo contra qualquer preconceito e tem entre seus produtores executivos nomes de peso, como o conhecido e multipremiado Ryan Murphy, criador de séries como Glee, Pose e American Horror Story, faz um resgate doloroso da institucionalização da cura gay nos Estados Unidos.
Há um momento que resume muito bem o que se verá a seguir, mas ele é sutil. Assim que está pronta para dar o seu depoimento, alguém da equipe pergunta a Yvette Cantu Schneider se ela está confortável com isso. O olhar da entrevistada é de puro desconforto e constrangimento e aquilo fica na cabeça do espectador até sua próxima aparição em uma situação semelhante, alguns anos antes, para desempenhar o seu papel de porta-voz da Exodus International. No segundo “você está conforável?”, a posição do corpo, o sorriso no rosto e o jeito de falar são completamente diferentes dos daquela mulher amuada do presente. Ali, nas imagens de arquivo, ela é uma desenvolta ex-lésbica que “praticou o lesbianismo por seis anos”, mas Deus curou o feminino dentro dela e isso a fez mergulhar de cabeça na associação, tanto que passou anos se dedicando a “libertar” outras pessoas.
“Como eu acreditei nisso e como fiquei tanto tempo envolvida nisso?”. Pray Away mergulha nas histórias de pessoas como ela e tenta responder essa pergunta, que não é exclusiva de Cantu Schneider. Esforçando-se para não julgar, mesmo que seja difícil afastar-se do horror dos atos e do peso das palavras, dá voz a ex-líderes da Exodus para tentar entender em que ponto aquilo pôde fazer algum tipo de sentido. Em um formato bem tradicional de documentários, onde se misturam cabeças falantes a muito material de arquivo e tomadas atuais, o longa traz passagens assustadoras. Há muita propaganda de diversos líderes evangélicos, debates televisionados onde o ataque é tão absurdo que a defesa da liberdade da orientação sexual vem dos lugares mais inesperados.
“É um crime”, “É um pecado”, “É uma depravação”, toda a pressão dessas potências sociais que são as igrejas com o caráter de punição eterna estão presentes. Isso sendo martelado na cabeça desde a infância, causando o senso de desconformidade e não pertencimento que leva qualquer que seja à tentativa de “se adequar” a uma realidade que não é a sua. Uma propaganda antigay que ganhou nova força nos anos 1980 e 1990, com a AIDS, causando uma nova onda de pessoas fugindo de suas próprias vidas. São algumas dessas histórias que estão em Pray Away, e que, embora não justifiquem os atos dos personagens, explicam muita coisa.
A história do Exodus é uma história de terror, desde como recrutava seus seguidores e seus representantes até como se espalhou pelos Estados Unidos. O resgate por aqueles que a viveram traz a verdade crua em relatos de embrulhar o estômago, e o modo como os vemos chegar ao arrependimento desperta sentimentos contraditórios. Há dois momentos muito tristes retratados: a aprovação da Emenda 8, que proibia o casamento das pessoas de mesmo sexo, e a reunião com os sobreviventes da organização cristã, que resultou no fechamento da Exodus, tendo Julie Rodgers como nome fundamental.
Pray Away não fala apenas da Exodus, fala também dos novos movimentos de cura e conversão, e escolhe um “ex-trans mulher” que encontrou na religião sua verdadeira identificação de gênero como homem como personagem. Jeffrey McCall faz parte de um grupo um pouco diferente da antiga instituição, uma espécie de renovação carismática, com encontros mais fervorosos e paradas de rua que pregam a conversão ou a reparação. E é o que volta à triste realidade de que nada disso terá fim, até que se aceite que todas as pessoas são livres para serem aquilo que são e ninguém, absolutamente ninguém, tem nada com isso. Não é a sociedade, e muito menos a igreja, que deve definir de que forma as pessoas devem se enxergar, se comportar e quem devem amar.
Um grande momento
“Eu não consigo olhar para as minhas mãos”