Crítica | Cinema

A Primeira Profecia

Marcando o terreno

(The First Omen , EUA, 2024)
Nota  
  • Gênero: Terror
  • Direção: Arkasha Stevenson
  • Roteiro: Arkasha Stevenson, Tim Smith, Keith Thomas, Ben Jacoby
  • Elenco: Nell Tiger Free, Ralph Ineson, Sonia Braga, Bill Nighy, Maria Caballero, Tawfeek Barhom, Nicole Sorace, Ishtar Currie-Wilson, Andrea Arcangeli
  • Duração: 115 minutos

No princípio, o susto: Arkasha Stevenson, em sua estreia na direção de longas, remete seu prólogo a 1975, ano de lançamento de A Profecia, um dos trabalhos mais representativos de Richard Donner. Apesar de concebido dentro do esquema de um grande estúdio (e provavelmente só existir por conta do sucesso de um certo O Exorcista) os limites da Nova Hollywood estão em cena. O cineasta por trás de Superman – O Filme filma com liberdade e com muita fisicalidade, trazendo as imagens para próximo do espectador. A jovem faz o mesmo na abertura de A Primeira Profecia, quando monta o quadro inicial com as diretrizes estabelecidas no primeiro filme da série, e um clássico do cinema. É uma forma carinhosa de pedir licença a um cânone para adentrar seus domínios. 

A partir de então, Stevenson marca seu território em outras formas de homenagens. Como uma real admiradora, passeamos por A Primeira Profecia absorvendo o que a cineasta mostra suas referências, que vão inicialmente até a imagem setentista que se tinha da Europa e seus tons acobreados e dourados levemente saturados. Isso está na impressão da fotografia e na paleta utilizada para cenários e figurinos, sempre levemente esmaecidos. Não é a escolha mais inovadora, mas ela é claramente dedicada a um propósito, e hoje o cinema de gênero existe um excesso de produção e uma carência de paixão. É ainda mais assustador que o teor do filme, que exista uma vontade tão grande de estabelecer uma ligação com o autoral aqui, sem abandonar seu interesse pelo público. 

A seu favor, a diretora tem Aaron Morton no comando da fotografia. O jovem tem mostrado a que veio no gênero, em filmes como A Morte do Demônio, Ninguém Vai Te Salvar e está semana que vem em Abigail. Aqui, o trabalho é especial porque Morton pode trabalhar uma saturação de cores quentes até o extremo, assim como utilizar as luzes do dia em campos diferentes também – o centro de Roma diurno remete ao calor do verão, enquanto o interior do convento puxa para a ausência de relevo, tornando tudo uma coisa só sem viço. Está no tom da fotografia toda a estrutura pensada para cada personagem, para cada situação, e essa tradução é conseguida nesse trabalho conjunto de dois profissionais ávidos em mostrar seu potencial. Um exemplo é o clímax de A Primeira Profecia, cerca de 20 minutos onde cada trabalho cromático alcança seu potencial. 

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A escolha de Stevenson não é aleatória, nem o roteiro igualmente escrito por ela ao lado de Tim Smith, Keith Thomas e Ben Jacoby. Ao pensar em um projeto para desenvolver a origem de Damien, nada mais óbvio do que chegar à conclusão de que o seu nascimento é crucial para esse ponto de partida. Uma mãe para o anticristo, essa é a premissa-base de A Primeira Profecia, e a partir daí apresentar um lugar que conectaria com toda a mitificação em torno de como a igreja esteve presente na confecção dessa personalidade. Conectando um ponto a outro, levar essa narrativa para dentro de um convento é a saída natural – e a partir daí, temos um cenário dominado pelo feminino onde a repressão das personagens é o catalisador de eventos. 

Assim como em Mergulho Noturno, A Primeira Profecia também é claramente dirigido por uma cinéfila, e a trama relativamente simples é um campo para que ela expresse suas capacidades, que nada tem a ver exatamente com reprodução. Assim como a atmosfera romana é reconstituída com o olhar que vários títulos setentistas já criaram, ao menos duas outras obras são reverenciadas aqui. Em A Dança dos Vampiros, Roman Polanski criou uma nova abordagem para o vampirismo, além de ter sido nossa despedida para o ícone Sharon Tate; no primeiro encontro de Margaret, a volúpia apresentada em determinada cena parece ter sido encontrada naquele universo. Ainda mais explícita é a cena onde Andrzej Żuławski tem seu Possessão homenageado em sua cena emblemática, deixando mais uma geração de espectadores hipnotizado com uma performance. 

Ainda que Nell Tiger Free (de Servant) não alcance as notas de Isabelle Adjani, a moça consegue comandar um elenco bem interessante, que incluem as presenças de Bill Nighy (de Viver) e de nossa Sonia Braga, no que deve ser o papel mais consistente da produção. Em torno dessas duas personagens, o talento de Stevenson é lapidado em um título com muito mais a apresentar artisticamente do que imaginávamos. Mesmo que não alcance sequer o calcanhar do que é um dos maiores filmes do gênero na História, A Primeira Profecia apresenta uma autora, assim A Lenda de Candyman fez por Nia DaCosta. Agora é torcer para a jovem não seguir os passos de Nia para ser mais uma assalariada de produto manufaturado. Sua força criativa transforma um filme que poderia ser mais um, em uma surpresa bem temperada. 

Um grande momento

A barriga cresce

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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