Crítica | Outras metragens

Quanto Pesa

(Quanto Pesa, BRA, 2020)
Nota  
  • Gênero: Experimental
  • Direção: Breno Nina
  • Roteiro: Breno
  • Duração: 20 minutos

Eu vim lançar fogo sobre a terra; e como eu queria que ele já tivesse sido ateado!

Lucas 12:49

Formulado pelo ator e cineasta maranhense radicado em Brasília Breno Nina, Quanto Pesa integra a mostra de Curtas de Gramado trazendo a visão particular e pouco verborrágica do grotesco enquanto epifania popular. Já premiado como ator por O Último Cine Drive-In no festival de cinema gaúcho, Nina experimenta botar fogo na tela a partir da história constituída do labor de duas mulheres.

Uma, que conduz boa parte da ação, trabalha como peixeira no mercado. Tristonha, limpa os peixes e faz pausas para se alimentar. Nos intervalos, toda a podridão que transcende o humano; que não é ordinário, comum, mundano se acende. Da carne do caranguejo que a mulher colhe de dentro da casca e leva até a boca, a câmera leva até baratas desovando, um rato apodrecido sendo engolido por formigas e as vísceras dos peixes jogadas pelo chão.

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Os ângulos e enquadramentos guardam o choque da experiência mais mundana e poética, das galinhas sem cabeça cujos corpos tremulam na panela com água fervente. Uma joia guardada dentro do pescado que dela o amor do casal embarcado, revela um mistério, a história pregressa daquela mulher.

Quanto Pesa abarca a dor da perda, da separação dos corpos quentes se amando até o vazio da ausência, florindo a carga imagética com cenas de um baile de reggae e latinhas de guaraná Jesus em exposição. Símbolos pictóricos e sensoriais tão representativos da cultura maranhense que estão imbricados na narrativa fílmica de Nina, que ainda traz um caranguejo transitando livre pelo supermercado, enquanto a outra mulher, já idosa, funcionária do estabelecimento, toma uma medida drástica para conseguir estar em paz conquistando sua liberdade. E a cena, tão impactante na sua iconografia ainda traz uma ironia lida no cartaz em close: “Se você está cansado de trabalhar, lembre-se daquele que está cansado de procurar emprego.”

Quanto Pesa quanto mais apresenta o grotesco nas imagens também se aproxima da suspensão ou manutenção da fé, do divino. O desassossego marca esse filme intervalar, cuja narrativa se debruça sobre pessoas, mulheres nordestinas e pretas comuns, exploradas nessa lógica selvagem que buscam romper como forma compensatória – quem sabe a obtenção de alguma recompensa divina?

“A luz do sol não sabe o que faz e por isso não erra”

Os rostos, os corpos que bailam, os nus. O desbunde não fotografado de Quanto Pesa abraça e valoriza as peles pretas e pardas com muita presteza. E há uma quebra, da quentura dos lugares, das roupas e do universo da peixeira para o supermercado pálido e asséptico onde a senhora trabalha. Uma elaboração tão densa e rica que é encorajador pensar no futuro e nos próximos projetos criados por Breno Nina.

Um grande momento
Passeio pelos animais de peçonha e podres ao som de “Borbulhas de Amor”

[49º Festival de Cinema de Gramado]

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Lorenna Montenegro

Lorenna Montenegro é crítica de cinema, roteirista, jornalista cultural e produtora de conteúdo. É uma Elvira, o Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema e membro da Associação de Críticos de Cinema do Pará (ACCPA). Cursou Produção Audiovisual e ministra oficinas e cursos sobre crítica, história e estética do cinema.
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