Crítica | Outras metragens

Astonishing Little Feet

Objeto em exibição

(Astonishing Little Feet, EUA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Ficção
  • Direção: Maegan Houang
  • Roteiro: Maegan Houang
  • Elenco: Celia Au, Robert Brettenaugh, Max Faugno, Robert Lewis Stephenson, Brian Wallace, Perry Yung
  • Duração: 9 minutos

Há muito por trás dos pés de lótus das chinesas e tudo está ligado ao patriarcado. Seguindo a tradição, surgida na Dinastia Song e que só veio ser proibida no século 20, as mulheres requintadas, que quisessem ter um bom casamento deveriam amarrar seus pés ainda na infância ou adolescência, de modo que eles ficassem bem pequenos. Ossos quebrados, cartilagens inexistentes, problemas posturais e uma dor lancinante fizeram parte da vida de centenas de milhares de mulheres para que elas fossem aceitas em sua sociedade e tratadas decentemente.

No outro lado do mundo, seus pequenos pés causavam curiosidade, assim como a língua e as roupas, e as mulheres eram exibidas como peças exóticas.

Astonishing Little Feet, volta a Nova York de 1834 para falar sobre isso. O curta resgata a figura de Afong Moy, primeira imigrante chinesa conhecida. Moy era exibida como a Dama Chinesa e fora trazida à América por comerciantes com a única intenção de servir como objeto, com anúncios e cobranças por seus shows. 

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A diretora Maegan Houang recria a história dessa mulher com sensibilidade. Ela é hábil ao expor o sentimento de deslocamento naquela terra que humilha a protagonista – seja nos risos, seja nas agressões ao desnudar a verdade – em menções ao lugar deixado para trás. Da animação que se transforma na caixinha que a prepara para o show à vegetação que toma conta do quadro quando ela se vê à dupla violência ao seu corpo, tudo é muito forte em Astonishing Little Feet.

Estamos em um novo país agora

O filme traz essa dubiedade e prolongamento de uma dor que vem do passado e ganha outro contornos quando chega em um novo ambiente e é ressignificada. A submissão da mulher, que já era muito cruel, atinge um outro nível. Isso é intensificado pela contestação da protagonista em certo ponto do longa, pois ela chega a se recusar a continuar e o patriarcado, representado nas figuras que ali sequer para para escutá-la.

Houang traz ainda à tona a incomunicabilidade latente, aquela que é óbvia, pela diferença da língua; e a que é explicitada pela opressão do gênero. E há ainda um trabalho de afastamento e aproximação próprios do masculino, mas que envolve uma certa subserviência imperialista constrangedora. Além disso, por trás de toda a ambientação, em competentes desenho de produção de Terry Watson e figurino de Anne Valliant, há o incômodo pela manutenção de certas posturas xenófobas e machistas.

Assim como com a trilha de Robert Ouyang Rusli e os planos de Christopher Ripley, Houang sabe como organizar seus elementos, onde, como e quando colocá-los. E tem também consciência da força da figura de sua atriz principal, Celia Au. Com apenas nove minutos onde tanto é visto, Astonishing Little Feet é uma pequena surpresa, em forma e mais ainda em conteúdo.

Um grande momento
O não fazer

[19º HollyShorts Film Festival]

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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