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Seguindo Todos os Protocolos

Delicadezas possíveis

(Seguindo Todos os Protocolos, BRA, 2021)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Fábio Leal
  • Roteiro: Fábio Leal
  • Elenco: Fábio Leal, Paulo Cesar Freire, Marcus Curvelo, Lucas Drummond, Vitória Liz, Bruce de Araújo
  • Duração: 75 minutos

Não sei como começar esse texto, assim logo depois do vendaval da sessão; quis me colocar em pessoal, porque estou mexido – porém são. Seguindo Todos os Protocolos, primeiro longa solo de Fábio Leal, tem a ver com a pandemia, tem tudo a ver com 2020 e 2021 e infelizmente 2022, mas tem a ver com instâncias já compreendidas no ser humano prévio a isso, com sua matéria orgânica embaçada pela cultura da multi exposição digital, pela carência desenfreada causada por essa mesma tsunami de informação e acesso falso ao outro, com o inexplicável medo do afeto em tempos de individualidade extremada, mas tem a ver também com a fuga de todos os parâmetros alcançados por esses estigmas modernos e ilusórios; nada é de verdade, e tudo é de verdade.

Leal tem alguns curtas metragens (Reforma‘ e O Porteiro do Dia), um curta recém apresentado ao mundo e dirigido com Gustavo Vinagre (Deus tem AIDS), e muitas participações como ator em alguns longas e curtas recentes do nosso cinema. Aqui, mais uma vez ele elenca conflitos de ordem prática do universo LGBTQIA+ da maneira mais franca e normatizada possível – esse é um dos saltos de seu filme, entender que o nosso universo é repleto de som e fúria e morte e perseguição e dor e extermínio, mas que não é preciso ser assim sempre. Porque somos constituídos de pluralidade suficiente para também querer amar, não poder amar, querer dividir, querer e não querer uma padronagem, sonhar e ser feliz. Feliz.

Independente do que sua mensagem direta esteja dizendo explicitamente, do horror da melancolia, da aceitação da mesma como parte integrante de um processo humano e pandêmico, e da exasperação desenfreada por um afeto perdido nos caminhos modernos, Leal é um diretor de recursos cada vez mais ilimitados, que realiza crônicas contemporâneas queer com categoria espantosa, e aqui particularmente exerce um grau de sofisticação estética de patamar seguinte ao que ele já tinha apresentado anteriormente, entendendo o que cabe no universo criado e não exacerbando sua ótica de maravilhamento constante.

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É bonito ver Fábio ler seu espaço cênico, construir uma direção de arte tão discreta quanto efetiva e elaborada, é bonito ver seu interesse em ler cada polegada de corpo e de voz de seus atores, incluindo a coragem de se manter em cena. É um cinema que entende espaços e percursos com a sofisticação que o supracitado Vinagre já apresenta, mas que aqui produz afetividade ainda mais avassaladora, um calor de eventos de ordem sexual que nunca se afastam da tranquilidade do abraço, da expressão humana de um rosto que procura um carinho. É como unir o mais bem preparado artificial ao mais meigo gesto possível, invadindo tudo do mais profundo bem querer.

São associações muito profundas entre a beleza de um “você é o homem mais bonito do mundo” até o reflexo de uma posterior interação sexual onde seu próprio rosto é negado, apagado e submetido a uma violência gradual que explode em mil sentimentos, da fuga terrível, passando por um entendimento da dor até um corte seco; cabe tudo isso no mundo em caos de Chico. As sequências onde descobre em lente absoluta transformada em microscópio gigante o corpo do retorno de uma “novidade antiga”, que é posteriormente transformado em união celular entre si mesmo e esse mesmo “novo velho ser”, traduzem com brilhantismo as criações cronistas de um autor que entende de seu tempo e de suas imagens.

Nesse conceito, as crônicas criadas por Leal em seus filmes aqui surgem com a força descomunal de um tempo HOJE, onde ser gay, não ser inserido no estereótipo vigente da beleza plastificada das revistas e sites, é um paliativo de um momento onde já devemos lidar com doenças de muitas outras ordens, não apenas fatais. Quando o filme apresenta o “homem essencialmente bonito” e o coloca com a liberdade para dizer o que quer, fazer o que quer, ainda que isso tudo signifique agressão e violência, o autor dispara que sua metralhadora delicada é capaz de compreender camadas complexas sobre a homossexualidade, também ela capaz e mantenedora de toxicidade.

Fábio, acima de tudo, se aprofunda como ator em um registro que o melhor cinema brasileiro da atualidade tem reassistido com interesse, que é um grau de naturalismo que não passeia exatamente pela placidez e uma propalada “falta de esforço” dramático. Seu diálogo on line de retórica brilhante com Marcus Curvelo (esse segundo, outro grande ator/autor) criam para o filme um revestimento possível de ironia, estupefação millennial e grande melancolia. Premiado antes por suas contribuições como intérprete, seu Chico lhe permite tantas camadas de leitura, indo de uma zona patética até um lugar de profundo desagrado diante do horror do Brasil pós 2018 – seu desabafo em telefone é tocante.

Criando diretrizes para um filme que tem interesse em embaralhar certezas, Leal elabora em Seguindo Todos os Protocolos um jogo onde as possibilidades são infinitas e incessantes. É tudo muito grave e triste e pesaroso, ou debochado e crítico? Há como ser incisivo em ambas as esferas, e potencializar uma produção cheia de ternura, acima de tudo. Quando se abre para o artifício, o filme se permite também criar camadas cinematográficas que não o deixem apenas no lugar prático do natural. Seu diretor nos emociona com seus protocolos, seu grito por um afeto rasgado, mas também necessita da felicidade plena do vento no corpo nu.

Um grande momento
Cortina de plástico

[25ª Mostra de Cinema de Tiradentes]

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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