- Gênero: Documentário
- Direção: Alex Gibney, Ophelia Harutyunyan, Suzanne Hillinger
- Roteiro: Alex Gibney
- Duração: 123 minutos
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“2020 tem sido um ano mágico para escritores de ficção científica”. Não tem jeito melhor de descrever o que este e é assim que o trio de diretores Alex Gibney, Ophelia Harutyunyan e Suzanne Hillinger começa a sua incursão pela absurda saga do enfrentamento, ou do não-enfrentamento, da pandemia Covid-19 pelo presidente dos Estados Unidos Donald Trump. Sem muitas inovações no formato e abordando um tema recorrente, que rendeu alguns documentários na última temporada, Sob Total Controle se diferencia nos detalhes.
Os diretores estabelecem dois pontos para abordar a temática: um meio de trazer as restrições do coronavírus para a realidade do filme e algum tipo de comparação para comprovar os pontos que expõem. Seguindo o modelo já conhecido dos filmes de Gibney, as entrevistas conduzem a narrativa e contrariam o modelo tão em voga no momento que, devido ao isolamento social, adotou as videochamadas. O documentário cria um método próprio para captar o seu material: adapta a câmera, monta uma espécie de barreira de proteção, posiciona a equipe e estabelece métodos alternativos de interação. A percepção do outro por trás da barreira provoca uma reação que só pode ser compreendida depois de se viver o isolamento social. O simples fato de dividir a sala com alguém, mesmo que com essas barreiras, já muda a experiência de quem fala.
O segundo ponto é a comparação. O país escolhido é a Coreia do Sul, uma das atuações consideradas mais rápidas no combate à pandemia. A ideia seria interessante, se fosse possível comparar o desmantelo absoluto com alguma coisa que não seja similar a isso. Aliás, seria possível, já que Nanfu Wang fez exatamente isso em In The Same Breath, mas estabelecendo muito bem o seu escopo: como os governos maquiaram e manipularam os dados sobre o problema. A questão em Sob Total Controle é que o documentário que fazer um panorama geral da pandemia e é impossível equilibrar tantos absurdos com medidas coerentes. Sobra EUA e falta Coreia.
Para os brasileiros que hoje acompanham nos jornais o colapso do sistema de saúde e 4 mil mortes diárias, que viram o mandatário do país chamar a doença de gripezinha, insistir em medicamentos sem eficácia comprovada, questionar a vacina e entrar na justiça para proibir lockdowns, ver Trump e seus ministros e secretários da saúde repetindo as mesmas bobagens é como estar olhando para uma espécie de reencenação de algo que tivemos que vivenciar há pouquíssimo tempo. Trump é o reflexo de Bolsonaro ou Bolsonaro é o reflexo de Trump, não se sabe muito bem. A falta de senso inacreditavelmente similar e a passagem sobre a cloroquina e a hidroxicloroquina pode provar.
Os depoimentos surreais não são raros. Se alguns conseguem ser mais estatísticos e indicam só ao equívoco mesmo, como algumas das falas de Eva Lee, a personagem mais interessante de Sob Total Controle, outras são tão absurdas que é difícil acreditar que fazem realmente parte de um documentário. A equipe contratada para trabalhar no porão para o genro do presidente, a briga entre os estados pela compra de equipamentos para os profissionais de saúde com o próprio governo interferindo nos lances para aumentar o valor de venda dos produtos, o resgate de passageiros do Diamond Princess e a trilha sonora da visita à fábrica de máscaras são alguns dos exemplos que parecem ter saído da mente alucinada de alguém.
Além de todas as patetices, não tem nada lá que não tenha sido visto por aqui: discurso comprado pela mídia, muito descaso, falta de testes, nenhum controle dos infectados e das possibilidades de contágio. Ou seja, mais um lugar perfeito para a disseminação de um vírus e o agravamento de uma pandemia como não se via desde 1918. Preocupado com sua reeleição e com a economia, assim como o amigo daqui, Trump combateu o fechamento para o controle até quando pôde. A sorte dos estadunidenses é que eles tiveram uma eleição e puderam tirá-lo do poder.
Sob Total Controle passa por todos os eventos e vai atrás daqueles que causaram e dos que tentaram previnir ou solucionar a crise; quer mostrar também a influência política das alucinações de Trump na população e todo o desespero eleitoreiro por trás da questão, além de buscar nas estatísticas a verdadeira realidade racista e xenófoba da doença no país. Não esqueçamos que ainda tem a parte da comparação com a Coreia do Sul. É coisa demais. Chegamos então ao clichê da crítica “podia ser uma minissérie”. Ainda assim, tem os seus pontos, e o mais interessante deles é essa demonstração do valor do contato, não só para o documento, mas para aqueles que se sentirão seguros, mesmo expostos, e não-sozinhos, em uma época de tanta solidão.
Um grande momento
O passarinho e Eva Lee
[26º É Tudo Verdade – Festival Internacional de Documentários]