Crítica | Streaming e VoD

Soul

(Soul, EUA, 2020)
Nota  
  • Gênero: Animação
  • Direção: Pete Docter, Kemp Powers
  • Roteiro: Pete Docter, Mike Jones, Kemp Powers
  • Elenco: Jamie Foxx, Tina Fey, Graham Norton, Rachel House, Alice Braga, Richard Ayoade, Phylicia Rashad
  • Duração: 100 minutos

O propósito de um filme e a persistência do cinema em seguir existindo estão explícitos em Soul.

Soul pode ser tanto o gênero musical quanto, em tradução para o nosso idioma, alma. Alma que por sua vez é, nos escritos de Aristóteles, o princípio vital de todo o ser vivente, aquela fagulha primordial que anima e habita o invólucro corpóreo.

E porque será que o cinema de animação mexe com as nossas emoções e consegue se conectar num nível quase que espiritual conosco? Biológica, física e metafisicamente em Soul a Pixar mais uma vez consegue pegar um conceito filosófico profundo e transformar em uma baita história animada.

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Soul (2020)

Para além do valor do storytelling do estúdio cinematográfico – das fórmulas mais bem sucedidas e bem aplicadas da indústria, de Toy Story a Up – Altas Aventuras, passando por Monstros S.A., Coco e Divertida Mente), Soul ilustra uma revolução também nos costumes já que é a primeira animação Pixar com protagonismo não caucasiano. Joe (dublado por a Jaime Foxx) é um pianista de jazz afro americano completamente fracassado em suas pretensões de sucesso no ramo musical. E aqui cabe um parênteses: jazz não segue necessariamente uma progressão harmônica e pode ser basicamente instrumental enquanto soul é mais melódico e cantado. Mas longe de ser sobre música, Soul de Pixar é sobre o que anima a alma, que faz querer apenas “admirar o céu ou caminhar”. Viver e não ter vergonha de ser feliz ou um eterno aprendiz.

E uma nota precisa ser dedicada ao incrível trabalho do músico de jazz Jon Batiste e dos trilheiros Trentz Reznor e Atticus Ross na composição musical de Soul. Afinal, a música é o que possibilita o salto dimensional de Joe para a além da finitude e é o que transcende a matéria.

Misteriosamente ou não, esse filme é obra da psique criativa de Pete Docter, talvez das mais afáveis almas por trás dos sucessos da Pixar, como Divertida Mente. O minimalista e pictórico universo “pré-vida” se correlaciona com a sala de controle dos sentimentos e as ilhas-base que fundamentavam a personalidade da menina Riley. Assim como é por meio da cooperação e da empatia que as personagens descobrem conexões que movem a história para a frente e, mesmo que trilhando um caminho óbvio, nunca deixem de animar a alma.

Soul (2020)

Tangenciando a separação da alma para forma do corpo no mundo astral, Pete Docter transforma essa nova animação da Pixar em sua terapia pessoal e catártica sobre tanta coisa que é difícil dimensionar em uma crítica. Mas basicamente, após uma crise de propósito na esteira de toda a repercussão e os prêmios que o estúdio obteve por Divertida Mente ele buscou motivação para continuar trabalhando e não encontrou fácil.
O cineasta contou em entrevista à revista Splash que Soul é uma maneira de tentar convencer os espectadores e a si mesmo que viver faz sentido, que a vida importa.

E também mostra as possibilidades quase que infinitas que a Pixar tem de atingir um público amplo, de representar as nuances de pessoas que habitam uma cidade já tão tão retratada como Nova York, com seus artistas de rua como o bicho-grilo que é o guia espiritual na transmutação de Joe e 22 ou mesmo o gato Paul, cuja participação na narrativa rende bons momentos cômicos, sendo também uma baita alegoria já que a deusa egípcia Bastet (representada por uma gata preta) é a personificação da alma.

Soul (2020)

Interessante observar que mais do que emprestar a voz e a faceta irônica de comediante para a alminha 22, Tina Fey assinou diálogos adicionais de Soul – juntamente com Josh Cooley, diretor/roteirista de Toy Story 4 – e trouxe mais frescor a já densa história sobre carma, reencarnação, inspiração para existir e se libertar de obsessões. Num momento onde basicamente todo mundo está ansioso, angustiado e se sentindo pra baixo ou desimportante Soul dá pistas de como recuperar a vontade de viver, de encontrar razões para entrar numa outra sintonia, de se sentir pleno.

Um grande momento
Aprendendo a caminhar

Ver “Soul” na Disney+

Lorenna Montenegro

Lorenna Montenegro é crítica de cinema, roteirista, jornalista cultural e produtora de conteúdo. É uma Elvira, o Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema e membro da Associação de Críticos de Cinema do Pará (ACCPA). Cursou Produção Audiovisual e ministra oficinas e cursos sobre crítica, história e estética do cinema.
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