Crítica | CinemaDestaque

Domingo à Noite

Dois guerreiros contra a tempestade

(Domingo à Noite , BRA, 2024)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: André Bushatsky
  • Roteiro: Bruno Gonzalez
  • Elenco: Marieta Severo, Zécarlos Machado, Natália Lage, Johnnas Oliva, Isio Ghelman, Barbara Santos, Hugo Bonemer, Karen Coelho, Isis Pessino
  • Duração: 85 minutos

O diretor André Bushatsky tem uma carreira recente, de apenas 10 anos, mas já acumula 10 títulos no total – 5 curtas e 5 longas. Esse Domingo à Noite que estreou essa semana nos cinemas é sua segunda incursão em longa de ficção, e conta com um elenco de peso para contar uma história que está se tornando uma fatia cada vez mais numerosa entre os de interesses de cineastas: o amor na terceira idade, e seus muitos contratempos. Aqui, a história vai ainda mais longe, porque existe a descoberta do Alzheimer em seu casal de protagonistas. Grandes cineastas realizaram filmes inesquecíveis falando sobre tais temas, mas tal dramaticidade talvez peça um tratamento mais cru, ou pelo menos com o teor de melodrama reduzido. 

Ao se entregar a todas as possibilidades de exagero, Bushatsky faz o oposto disso e acaba por se cercar de inúmeros problemas, que aumentam a cada avanço da narrativa. Porque eles evidentemente se acumulam e sua agudeza se torna cada vez mais insustentável, e também porque o filme não cansa de apresentar novos caminhos para que esse quadro se agrave ainda mais. O resultado é um filme que sugere neurastenia, porque tenta criar uma atmosfera naturalista em cima de elementos que se mostram muito óbvios e hiperbólicos. Dessa forma, não conseguimos encontrar naturalidade em Domingo à Noite mesmo nos momentos em que seus personagens estão mais centrados; a realização caminha para o oposto da contenção. 

Não dá pra negar que, do ponto de vista exclusivo da curiosidade, Domingo à Noite é uma obra do qual não conseguimos tirar os olhos. Se não, vejamos: trata-se de um delicado conto sobre a finitude entre um casal que obviamente tem adoração um pelo outro. Se entre eles nasceu uma família, ou se eles foram bons pais, o filme deixa essa questão muito “menor” de escanteio. Mas em meio ao tratamento bonito e íntimo que poderia estar na pauta da produção, o que vemos é uma escolha por algo chamativo, quase estridente. Todas as decisões estético-narrativas caminham para essa vertente, onde saímos do caráter individual para uma abordagem ampla, com apreço pelo explícito, nas imagens e nas colocações verbais. 

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Quando chegamos na trilha do André Abujamra, e nos damos conta da má utilização da mesma por Bushatsky, que enxerta ininterruptamente as mesmas composições até que não aguentarmos mais, é que essa visão acerca de Domingo à Noite não pode ser negada. Nunca discreta, a forma como a direção emprega seus acordes na narrativa vai mostrando seu emprego ostensivo, sem encontrar momentos de serenidade ao processo. Não creio que sua função na obra fosse emocionar, como seria fácil de imaginar, porque existe uma sobriedade no trabalho de Abujamra. Mas mesmo que o trabalho fosse irrepreensível, o que a direção faz com o artista é difícil de compreender; ao espectador, fica a impressão de ter sido submetido a um processo extenuante. 

Outra capacidade que Bushatsky parece não conseguir alcançar é o de compreensão do tempo do plano. Seu trabalho ao lado de Federico Brioni, seu montador, expõe as muitas fragilidades do conjunto, a começar pela própria direção, mas também queima o trabalho dos atores e do roteiro. As sequências simplesmente passam do tempo da duração, sem qualquer motivo aparente que não o de provocar desconforto estético, muitas vezes. Isso expõe principalmente o trabalho de uma ótima atriz como Natália Lage, que parece quase sempre arremessada para uma arena, junto a reações que poderiam ser absorvidas. A montagem, que geralmente é um ponto crucial para não apenas sustentar o ritmo de uma produção como também aparar arestas e criar um relevo, aqui parece solta e sem tomar pulso de qualquer uma das duas coisas. 

O foco principal de Domingo à Noite consegue se colocar acima de suas adversidades. O trabalho de Marieta Severo e Zécarlos Machado é impecável, mesmo que o roteiro de Bruno Gonzalez tente o tempo todo sabotá-los. A verdade é que o trabalho de Machado é simplificado nesse sentido porque ele se debruça pouco sobre o texto; é a Severo que os olhares são ainda mais impressionantes, e olha que essa que é uma das nossas maiores atrizes, está em um momento de escolhas terríveis, em filmes como Duetto, A Voz do Silêncio e Aos Nossos Filhos. Quanto a Lage ou Johnnas Oliva, não há como culpá-los pelo que fornecem; a direção de atores inexiste e suas falas são expositivas, sem qualquer traço de sutileza. O filme fica então na mão de seus protagonistas, que fazem o que podem para evitar um resultado ainda pior. 

Um grande momento

Margot tenta decorar o texto, sozinha

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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