Crítica | Festival

Lugar Seguro

De mãos dadas

(Sigurno mjesto, CRO, 2022)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Juraj Lerotić
  • Roteiro: Juraj Lerotić
  • Elenco: Juraj Lerotić, Goran Marković, Snjezana Sinovcić
  • Duração: 100 minutos

Existe o impacto de entender sobre quais temas Lugar Seguro tenta acessar. O longa está na competição internacional do Olhar de Cinema 2023 e é uma produção croata cuja crueza se confunde com o naturalismo empregado para contar aquela história, composta de camadas tão sutis a ponto de serem imperceptíveis, ao acesso ligeiro. Ao mergulhar nessa ideia de linguagem pouco estetizada, o campo que se abre em relação à análise é o do realismo extremo. Em determinado momento, no entanto, essa aproximação direta e sem firulas se quebra diante de um diálogo entre dois irmãos, quando nos é apresentado uma curvatura dissonante de sua textura narrativa. Essa decisão cria um ruído à experiência que racha a expectativa criada, levando o resultado para um hibridismo que o espectador entende como uma virada de chave. 

Em espaço narrativo de 24 horas, Juraj Lerotić dirige, roteiriza e protagoniza uma história que, de acordo com o próprio, é uma reprodução de eventos da sua família. Ou mais precisamente, de sua família nuclear, formada por ele, sua mãe e seu irmão. É o suficiente para que consigamos perceber o quanto há de afeto entre esses três, e mais precisamente entre os dois irmãos. A cena inicial já coloca o filme no que ele se aperfeiçoa cena a cena, que é uma evidente (e competente) emulação de um cinema que a Romênia tem entregue ultimamente ao público, com picos de tensão muito palpáveis, enquanto vigia seus personagens de uma distância muito confortável. É como se Lugar Seguro dissesse que essa proximidade mínima já nos aproxima de todo aquele drama, não precisamos ir além. 

É também a maneira mais respeitosa possível de Lerotić trazer essa história à tona, ainda controlando o espaço dado a si e a cada um de seus membros. São interferências de imagem tão mínimas que nos obriga a abraçar essa estrutura com um afinco redobrado, ainda porque o filme convida a essa montanha russa emocional ininterrupta. Lugar Seguro, também em comunicação com o já citado jogo híbrido, é ao mesmo tempo dois opostos: um filme de absoluta placidez e concisão, e igualmente uma experiência de constante tensão destinada a todos os envolvidos, espectador incluído. A um só tempo precisamos da mesma paciência espartana que dedicam Bruno e sua mãe a Damir, e somos colocados em uma esfera de apreensão constante porque algo dará errado, essa é a certeza que temos. 

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Após o incidente que coloca Bruno como o irmão mais preocupado, devotado e pró-ativo que se tem notícia recente, Lugar Seguro transforma gradativamente seu discurso fílmico. O que era uma ideia de cercania humanista do terreno do naturalismo, parte para a fabulação a partir do diálogo dos irmãos no hospital, que revela o interesse de Lerotić de compreender a tragédia pelo viés da fabulação, e de permitir que esse afeto fervilhante torne possível o entendimento através da compreensão emocional. Ao atingir esse lugar de compreensão do outro, somos levados a criar em nós mesmos as respostas acertadas a questões que nunca foram apresentadas. Bruno ama e conhece tão bem Damir, que toma para si a voz de seu irmão, e representa a partir dela. 

Os três protagonistas têm graus de entrega muito profundos, mas o olhar de Goran Marković não tem partilha entre os outros. Através de tudo que sua expressão diz expressando verbalmente tão pouco, Lugar Seguro não precisa chafurdar para apresentar os elementos corretos com o qual a depressão pode ser representada. Seu rosto e seu corpo são a imagem clara da desistência como ele mesmo atesta após breve contato, e nem é palpável ao espectador que ele esteja pedindo socorro. Quando um dos médicos que o atende fala justamente que se preocupa com seu estado porque ele não está pedindo para ser visto, é que o quadro parece verdadeiramente agravado. Damir não tem interesse em chamar a atenção, e sim de livrar-se de uma dor maior que a vida. Com toda a força contundente colocada em cena, ainda assim nosso impulso enquanto espectadores é sentar junto a Damir e oferecer apenas afeto e compreensão, ainda que isso não demova ninguém de uma decisão tomada, por mais dura que seja. 

Um grande momento
Bruno e Damir retorcem o conceito de naturalismo

[12º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba]

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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