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Um Ano Inesquecível: Inverno

Crescer não é só perder

(Um Ano Inesquecível: Inverno, BRA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Romance, Drama
  • Direção: Caroline Fioratti
  • Roteiro: Ângela Hirata Fabri
  • Elenco: Maitê Padilha, Michel Joelsas, Letícia Spiller, Marcelo Laham, Guilherme Terreri, Larissa Murai, Renata de Carvalho, João Manoel, Miguel Trajano
  • Duração: 98 minutos

Mais um ano se passou, e a tetralogia Um Ano Inesquecível segue nos dando nós na cabeça. O pomo inicial, Verão, ainda bem se mantém como a única maçã podre do cesto, e se existia uniformidade e autoralidade na empreitada de Lázaro Ramos, o irresistível Outono, esse Um Ano Inesquecível: Inverno esbanja contemporaneidade e urgência. Aliás, sobram aos dois filmes seguintes essas características, e uma vibração juvenil, um sentimento de pressa que é dinamizado ainda mais aqui. São dois episódios com muito a dizer e uma fé inabalável no melhor que o ser humano tem a oferecer; em resumo, são exemplares de cinema alto astral de verdade, com questões bem desenvolvidas em torno de seus protagonistas. 

Caroline Fioratti foi responsável por um dos sucessos de Larissa Manoela, Meus 15 Anos, e vem criando uma carreira dentro da comédia de costumes, sendo que seu próximo título, Meu Casulo de Drywall, estreou dentro do SXSW, um avanço ainda maior para a cineasta. Aqui ela tem a ajuda da prosa de Paula Pimenta, e ambas conseguem levar a juventude muito a sério sem fazer a mesma perder a graça em suas demandas. Estamos diante de crises de ansiedade, de busca pela própria identidade, de superação de traumas e lutos, de um festival de preconceitos tratados com maturidade e elegância. Ou seja, não é pouco e creio que o filme tenha consciência disso, por justamente colocar tanta confiança na forma como olha para cada um desses temas, sem menosprezo. 

Um Ano Inesquecível: Inverno
Amazon Studios

Apesar da história ser centralizada em Mabel, nenhum dos personagens que a margeiam deixam de ter sua utilidade ser apagada na construção de suas personalidades. Mesmo duas delas aparecendo apenas na cena inicial, o conflito que abre o filme contém muito dessas duas presenças – e posteriores ausências, bem maiores do que aparentam. Um Ano Inesquecível: Inverno é um filme que fala sobre o processo libertador que temos de ter em relação à chegada do futuro, quando somos jovens, para não arrastar um medo desnecessário vida afora. Ainda que os três filmes falem sobre essa necessidade de crescer emocionalmente, é aqui que a série encontra um estágio de discussão focado na sobrevivência, e nas estratégias que precisamos criar para suprir as dores do crescer.

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Ainda que arredia, sua protagonista se deixa aos poucos irradiar pelo que a vida proporciona ao mostrar que o mundo segue, apesar dela mesma. Esse é um conceito que Um Ano Inesquecível: Inverno inclusive aplica à sua narrativa sem precisar qualquer sublinhado de esquema – as coisas não precisam da gente para acontecer, pelo contrário, a rotação do planeta não é alterada em nada pela nossa ausência. Magê e Malu tem e terão vidas independentes, os pais de Mabel tem um aniversário de casamento a ser comemorado quer ela queira estar presente ou não, os novos amigos que ela conhece no Chile estão muito mais preocupados em suas próprias crises. Não, Mabel não está sozinha, mas sua existência não é o centro do universo, e isso é uma ideia muito comum na juventude. 

Um Ano Inesquecível: Inverno
Amazon Studios

Além de tudo isso, Um Ano Inesquecível: Inverno trata dos temas de seus coadjuvantes com tanta assertividade que não precisa muito mais que uma cena para que seus conflitos sejam estabelecidos e os danos sejam sanados, sem prejuízo para o roteiro. O filme prova que meus conceitos de correria narrativa são furados: apesar de sua narrativa ser apresentada praticamente de maneira non-stop, o filme não tira o peso de nada do que trata. Um exemplo disso é o momento que o personagem Adriano ganha, que é praticamente uma cena, e compõe um quadro honesto e cheio de propósito para seu desenvolvimento, ainda que ele resida na cabeça do espectador. O roteiro é tão bem apresentado, que o discurso do personagem se torna crível e o espectador acaba por conhecer aquela vida de maneira profunda, ainda que de maneira breve. 

Pra fechar, como é bom ver Maitê Padilha crescer. A estrelinha de Gaby Estrella se tornou uma atriz ainda melhor, cheia de atitude e coragem, e forma uma dupla com Michel Joelsas cheia de química – e talento; o menino de O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias e Que Horas Ela Volta? também cresceu diante da tela, e igualmente se transformou em belo ator. Letícia Spiller e Marcelo Laham vendem o talento que já conhecemos, e esse é o segundo filme no ano em que o artista Guilherme Terreri/Rita Von Hunty demonstra seu potencial após Fervo, e queremos mais. Enfim, através desse monte de talentos envolvidos e apesar de não abdicar dos clichês (imagéticos, inclusive), Um Ano Inesquecível: Inverno demonstra ser mais um ano que faz jus ao seu nome. 

Um grande momento

Mabel e seus pais discutem à mesa – todos têm razão e ninguém tem

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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