Crítica | Festival

Um Fascinante Novo Mundo

Para uma e para todas

(The World To Come, EUA, 2020)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Mona Fastvold
  • Roteiro: Ron Hansen, Jim Shepard
  • Elenco: Katherine Waterston, Casey Affleck, Vanessa Kirby, Christopher Abbott
  • Duração: 105 minutos

E se aquilo que hoje começa a ser visto com alguma naturalidade — ainda que milhares de anos luz do que deveria, mas, sim, com alguns indiscutíveis avanços — fosse completamente desconhecido? Se em determinado momento do tempo, em um local específico, certas coisas fossem simplesmente impossíveis por aquilo que se conhecia da vida? Não estou falando aqui exatamente de preconceito, mas de ausência de conceito mesmo. Algo que não existe por, simplesmente, não se ter ouvido falar, se ter sentido ou pensado a respeito. O longa de Mona Fastvold, Um Fascinante Novo Mundo, fala sobre um futuro não sabido, sobre o viver no passado algo de um futuro que não se tem ideia.

A história vem de um dos contos de Jim Shepard, lançados na antologia de mesmo nome, e que o mesmo ajudou a adaptar para o cinema ao lado de Ron Hansen. Sem delimitações de local muito precisas, é uma zona rural afastada, mas com demarcações temporais mais claras, estamos em meados do século 19, sabemos que tudo aquilo que está posto mudará. De práticas a realidades sociais, de conhecimentos a comportamentos. Há, em Um Fascinante Novo Mundo, um jogo interessante de imprecisão, por um tempo, tateia-se sem saber qual será o ponto que guiará a trama, o íntimo ou o coletivo.

Um Fascinante Novo Mundo

Fastvold, porém, conduz seu filme ora do geral para o individual, ora do individual para o geral, e, mesmo que esteja interessada em falar do que é para todos, sabe que não pode descolar-se daquela que unirá os dois universos: o imediato e o longínquo. É na dor, mas não por causa dela, que Abigail funda seu mundo. Isolada com o marido Dyer, segue a vida depois que esta perdeu o sentido com a morte da filha do casal. Até que surgem Finney e Tallie. O novo mundo, a partir daí, vem com a chegada dessas pessoas, ou com o passar do inverno, com outros eventos e mesmo com o passar do tempo, que a própria protagonista não será capaz de ver.

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A trama se constrói através de elementos diversos, o que nem sempre faz bem ao seu equilíbrio, e transita entre as palavras de um diário, declamadas, e encenações. No jogo entre as personalidades, e aqui a gente pode falar do trabalho primoroso do quarteto de atores Katherine Waterston (Vício Inerente), Casey Affleck (Manchester à Beira Mar), Vanessa Kirby (Pieces of a Woman) e Christopher Abbott (Ao Cair da Noite), por vezes o roteiro se vê frágil, e se perde nos indivíduos, mas encontra pontos de segurança nas interações.

Um Fascinante Novo Mundo

Os sentimentos são todos muito marcados imageticamente no longa. Com a fotografia de André Chemetoff, que destaca chegadas, partidas, aproximações e afastamentos, a relação entre aquelas quatro pessoas se concretiza. A ausência gelada que toma conta da vida do casal de protagonistas, com todos os seus traumas e limitações, não consegue suplantar a existência dos novos vizinhos. É como se a tristeza e a apatia dos personagens de Waterston e Affleck estivessem sempre sendo provocadas pelo magnetismo e a grosseria de Kirby e Abbott. As conexões de Abigail com Dyer e Tallie — e até mesmo a falta de conexão com Finney — são construídas com muito cuidado.

E, claro, há uma atenção especial à paixão entre as duas mulheres, esta representada com uma mudança de ambiente muito sensível. Quando juntas, na segurança de um amor então desconhecido e nunca imaginado, elas veem transformada a realidade de tristezas e violências e podem experimentar um protagonismo igualmente não permitido. Este encontro, que faz a história mudar por completo e faz com que tantas coisas surjam, representa tudo aquilo que Um Fascinante Novo Mundo veio para dizer desde o princípio: dos dias passados na lida repetitiva, do enfrentar do frio que nunca deixa de vir, da apatia do lar entristecido pela ausência, esta paixão é o mundo novo imediato para Abigail, que não via mais nenhuma felicidade naquela existência, e o mundo novo vindouro para toda uma sociedade que virá a se estabelecer no futuro.

Um grande momento
O beijo

[Sundance Film Festival 2021]

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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